Editorial edição

Milton Saldanha

Dois livros que ensinam a superar os limites do corpo e da alma

 "Heróis da Vida Real", da jornalista e escritora Viviane Pereira, e "A Grande Vitória", da técnica de atletismo Georgette Vidor, contém ensinamentos que podem balizar qualquer vida, principalmente daqueles que acham que aprender a dançar, ou evoluir na dança, seja um sonho intransponível.

Certa vez, cobrindo um festival de dança, em Brasília, presenciei uma cena que não é rara: a bela bailarina, durante um ensaio, chorava copiosamente porque tinha levado dura bronca do professor, um alemão especialmente contratado pelo evento. A forma como a maioria dos professores alemães tratam seus alunos é um traço conhecido da cultura deles. Alguns podem até manifestar ternura no momento seguinte, mas na hora da cobrança geralmente eles são implacáveis. Para nós, latinos, sentimentais e chegados num afago, lidar com isso nunca será fácil. Somos também excessivamente autocríticos, característica que deixa de ser virtude quando peca pelo exagero.

Isso talvez ajude a explicar porque tanta gente desiste de aprender alguma coisa, inclusive a dançar, tão logo começam as dificuldades. Além da indiscutível preguiça, da falta de garra, existe um segundo componente, que é achar que "não sirvo para isso". Passei cinco anos estudando inglês em cursos intensivos, um após outro, do nível 1 aos avançados e temáticos. Da minha primeira turma, de 12 alunos, todos desistiram antes de completar o nível 2, que durava só dois meses. A escola, Alumni, era cara, mas todos podiam pagar. Para alguns, como no meu caso, a empresa pagava. Não havia, portanto, desculpa aceitável para tanta desistência. Na dança, como no inglês e em outras áreas, é sempre a mesma coisa: começa a ficar difícil, os alunos inventam mil desculpas e largam o curso. Tem gente que passa a vida começando e desistindo de alguma coisa. Até dos negócios. Do amor. Do controle do peso. Do malho na academia e cuidados com a saúde. Se bobear, até de sonhar e ter projetos. São pessoas que jogam a toalha na primeira dificuldade. Apostam mais na sorte do que no esforço. Resignam-se com a derrota sem luta.

É para elas que tomo a liberdade de sugerir a leitura de dois livros extraordinários, que vão com certeza influenciar em sua postura presente e nas decisões futuras. São melhores do que qualquer livro teórico de auto ajuda, porque contam experiências reais, em alguns casos de pessoas que de repente se viram tolhidas em sua capacidade física e conseguiram dar a volta por cima, trabalhando e até fazendo projetos. "Heróis da Vida Real", da jornalista e escritora Viviane Pereira, é um deles. Você devora em pouco mais de duas horas de leitura. "A Grande Vitória", de Georgette Vidor, baseada numa tragédia rodoviária no Paraná, de grande repercussão e vivida pela própria autora, então atleta olímpica, é o outro, mais extenso e com passagens polêmicas.

Viviane Pereira, pessoa sensível, inteligente e observadora, escreve com a alma. Sabe captar sentimentos. Transforma a dor e a tragédia em purificação do espírito. Ensina, narrando episódios muitas vezes simples mas de grande heroísmo, sacrifício e doação, que o ser humano pode ser altruísta. Nos conta, como diz na capa, histórias reais de coragem e heroísmo que tornam a vida mais bonita. O caso mais impressionante é o de Simony Garcia, que ficou tetraplégica num acidente de automóvel. "Eu não sou doente"- diz ela. "Eu sou tetra. Só não mexo do pescoço para baixo. Do restante, faço tudo". E arremata: "Aproveito cada dia da minha vida e tenho muitos planos para o futuro".

Leio a história e tento captar para meu encorajamento da luta cotidiana a extraordinária força de Simony. E aí me vem a lembrança dos prantos da bailarina em Brasília. Uma moça de corpo perfeito, capaz dos movimentos mais desafiadores, mas que num dado momento fraquejou num detalhe qualquer, aos olhos do mestre perfeccionista e pago para este papel. Que desperdício de energia. E como faz falta uma boa chinelada na bunda de menina mimada. Como reagiria Simony, na sua cadeira de rodas, se visse aquela cena? Que palavrão não soltaria Georgette Vidor, com sua personalidade forte, de mulher decidida? O que diria um daqueles médicos que trabalha com pacientes de Aids em fase terminal? Ou de hospitais especializados em queimados e com defeitos da face? Eles não arrumam narizinhos de madames entediadas. Eles tratam de pessoas realmente martirizadas por danos físicos congênitos ou acidentais, e com certeza não têm mais paciência com quem transforma pequenos problemas em grandes dramas. Se, por um lado, o advento da cirurgia plástica nos trouxe inegáveis benefícios, favorecendo a felicidade de tanta gente, por outro criou inqualificáveis frescuras. Há exageros nesse campo que chegam a ser irritantes quando comparados com dramas humanos de fato pungentes.

Leitura serve para isso. Nos dota de senso crítico. Nos abre olhos e caminhos. Nos repassa experiências de vida que não precisamos ter, ainda bem, conforme o caso, mas podemos assimilar para crescer e ser fortes. Quem nos lega suas experiências é um semeador de energia em corpos e mentes muitas vezes alquebradas. Vejam, mais uma vez, o caso da Simony Garcia. Ela pintava. Sem as mãos para isso, passou a pintar com a boca. Há pintores que usam os pés. Essa extraordinária determinação é a prova de que há seres humanos que nasceram para jamais aceitar limites. Outros, infelizmente, para morrer sem saber do que seriam capazes.

SERVIÇO

Os livros Heróis da Vida Real, de Viviane Pereira, e A Grande Vitória, de Georgette Vidor, podem ser encontrados nas livrarias ou solicitados à editora Celebris. www.celebris.com.br / sac@celebris.com.br

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