Home Arquivos Anunciar Download Contato

 

Editorial edição 89

Dança ganhou grande espaço no ABC.E continua crescendo

Milton Saldanha

 Testemunho de quem conheceu o Grande ABC de 34 anos atrás: a dança teve impressionante crescimento, contrariando qualquer suposição que se pudesse fazer no passado, em termos de sua vocação para as artes, dado o perfil sócio-econômico da região. Hoje, o ABC se destaca tanto nas danças de palco como nas danças populares e de salão. Tem respeitáveis escolas, teatros, grupos de dança, bailes, restaurantes dançantes, e casas do pequeno ao vasto porte, as maiores do País.

Um jornal semanal chamado News Seller tinha acabado de se transformar no Diário do Grande ABC quando lá cheguei para trabalhar como subchefe de redação e também repórter, em 1969. O Brasil era muito diferente e a região do ABC também. Lula ainda era um anônimo operário, que adorava freqüentar bailes aos domingos. A região, essencialmente industrial, não tinha sombra do vasto comércio de hoje, nem da estrutura urbana e sistema viário. E o jornal, já com gráfica própria, com enormes linotipos que viraram peças de museu, espremia a redação inteira, de umas 15 pessoas, numa casinha alugada onde mal cabiam as mesas, com velhas máquinas de escrever. Hoje, essa mesma redação, totalmente informatizada, tem mais de cem pessoas e ocupa dois andares em edifício próprio.

Nunca mais perdi o contato com o ABC, mesmo quando fui trabalhar na imprensa da Capital e no Rio Grande do Sul. Isso motivou minha volta para a região em mais três períodos diferentes, primeiro na sucursal do Estadão/Jornal da Tarde, depois no próprio Diário do Grande ABC. No emaranhado de lembranças, busco com pinça e lupa um detalhe: o mais badalado lugar da noite era um clube chamado Panelinha. Eram raros os lugares para se dançar. Academias de dança? Esqueça, não existiam.

O conhecimento que tenho da região, que não é recente, conforme o que acabei de contar, me deixa seguro para afirmar que ao longo do tempo, 34 anos depois, o ABC se abriu de forma impressionante para a dança. Pode ser apontado como um dos lugares do Brasil que mais concentra academias, das mais variadas modalidades, a maioria de reconhecida qualidade. Tem também concorridos bailes semanais, com música ao vivo, em variados salões, restaurantes e choperias, que atraem não só moradores, como também pessoas da Capital e até da Baixada Santista. Em termos de porte e estrutura, raros complexos de dança, no Brasil e exterior, encontram paralelo com casas como Ilha de Capri e Estância Alto da Serra, ambas em São Bernardo, no eixo da Via Anchieta. Têm múltiplos ambientes e comportam shows para até 10 mil pessoas, o que, sob qualquer aspecto, negativo ou positivo, causa impacto.

Na Av. Maria Servidei Demarchi, popularmente conhecida como Rota dos Restaurantes, ali junto da fábrica da Volkswagen, bons e baratos restaurantes (Pára Pedro, Florestal e São Francisco), oferecem dança de quinta a sábado, com bandas próprias e também mantendo oportunidades de trabalho para profissionais da dança de salão, como Neto, que há 13 anos anima com seu grupo do Instituto de Dança e Beleza Ritmo Quente as noites do Florestal e, a partir deste mês, também do São Francisco.

Na área de bailes, o expoente é o Icarai, do empresário Guerra, famoso na região desde os tempos da empresa de ônibus. Ao mudar de ramo, a ampla garagem e oficina foi totalmente reformada e se transformou num dos melhores bailes da Grande São Paulo, sempre com música ao vivo de qualidade. O baile herdou o nome da empresa e Guerra curte a vida, sendo um dos raros promotores que costuma dançar muito no próprio baile. Mas merecem ser lembrados também os bailes semanais do Corinthians Santo André e do Acasc, este último em São Caetano, ambientes populares e saudáveis. Ocasionalmente, há também os bailes dos grandes clubes, como Aramaçã e Primeiro de Maio, em Santo André, e do Clube da Mercedes-Benz, em Diadema, reduto do simpático professor Edson, que dá aulas de dança de salão também na universidade Fefisa.

Por tudo isso, a distribuição do jornal Dance no ABC tem que ser feita em dois dias, para que o jornal chegue em mais de 20 lugares, entre academias e pontos de dança. Com 10 mil exemplares, na Capital o tempo médio é de uma semana.

Berço do novo sindicalismo, depois da derrocada em 1964 do CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), que deixou os operários órfãos de lideranças durante 14 anos, o ABC industrial e poluído, agregando todos os problemas sociais e urbanos que se possa imaginar, poderia ser e ter tudo, menos uma vocação cultural e artística. Quem apostasse nessa contradição há uns 40 anos não seria levado a sério. Engano: foi justamente esse misto de energia e caos que gerou inconformismo, inquietação, vontade transformadora – tudo aquilo que caminha ao lado, ou move a arte. A incrível Cia. de Dança de Diadema, expoente da inserção da dança na responsabilidade social, é o mais evidente exemplo disso. Com a liderança da bailarina e coreógrafa Ivonice Satie, foi na periferia e tirou donas de casa da frente do fogão e do jugo machista de maridos ignorantes. Transformou mulheres simples, antes desinteressadas pelo próprio corpo, em elegantes bailarinas, aplaudidas até em turnês pelo exterior. Não pode deixar de ser lembrado também seu maravilhoso trabalho com portadores de deficiências físicas e mentais. Suas apresentações, superando barreiras e preconceitos, são sempre emocionantes.

Na Fundação das Artes, em São Caetano do Sul, instituição diversificada, existem 250 estudantes de balé clássico e moderno, estágio supervisionado para formação de professores, Grupo de Dança Juvenil, premiado no Festival de Joinville, mais a Stacatto Cia de Dança, com bailarinas profissionais. Chega? Ainda não.

Escolas e grupos de balé da região freqüentam os mais variados festivais nacionais, entre eles o de Joinville, em Santa Catarina. Os palcos de teatros e ginásios locais volta e meia são ocupados por espetáculos de dança, dos mais variados portes e padrões técnicos. Na área social, como já se comentou neste espaço, profissionais como as professoras Sandra e Sara Fernandes dedicam preciosas horas de suas vidas ao trabalho com menores carentes da periferia, levando-os a descobrir na dança lições de vida gregária e até mesmo fuga das drogas.

As academias de dança de salão estão presentes nos mais variados bairros. De repente alguma fecha suas portas, pelas dificuldades normais de qualquer negócio, mas logo surge uma nova. A maior parte está aglutinada na Associação das Escolas e Profissionais de Dança de Salão do ABCD, um exemplo de união de esforços e de interesses comuns, que deveria ser seguido pelas escolas da Capital. A entidade opera de maneira bem informal, mantendo reuniões periódicas e um clima de cooperação que conta com nossa incondicional simpatia. Juntos, sem rivalidades tolas, coisa típica de gente medíocre e insegura, promovem a dança de salão e todos ganham com isso, com seus custos em promoção e propaganda muito bem otimizados. Além da página neste jornal, produzem folhetos e recentemente instalaram um outdoor na mais movimentada avenida do ABC. Fazem também encontros dançantes semanais, tanto itinerantes como habituais, às quartas-feiras, na Choperia Saramandaia, de ambiente simples e descontraído, a preços baratinhos e com a estimulante música ao vivo da Banda Manga Samba Show. Além disso, a Associação vem promovendo uma série de workshops, seguidos de bailes, revezando oportunidades para todos os professores. Assim, todos ganham, todos se divertem e faturam, e abrem novos canais para o crescimento da dança de salão, ou dança social, como preferem alguns.

Este rápido balanço, com omissões involuntárias – porque seguramente a dança no Grande ABC tem muito mais do que isso – ainda que incompleto dá uma noção do quanto se avançou nos últimos anos. Suficiente para se olhar o presente, e o futuro, com a recomendável prudência de sempre, mas também otimismo.

Nota do editor: todas academias do ABC foram convidadas a participar desta edição, inclusive da foto de capa. Ausências que possam ser notadas devem-se tão somente à omissão delas próprias. 

assine nosso boletim gratuitamente
Imprima esta matéria

 

 

Produzido e  administrado pela  Page Free Design - 2003