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Editorial edição
Aprenda tango. É bom demais!
Tango já!
Até parece... Demorei vários anos para começar a
aprender a dançar tango. Falta de tempo, pela atribulada vida de
repórter, pensará o leitor. Nada disso. Foi preguiça
mesmo. Assumida. A falta de tempo entrava como desculpa, aos outros e para
meu próprio conforto. De tanto ouvir falar que é
difícil, que requer treinamento, práticas, parceira, etc, a
preguiça aumentava. Alguns dos próprios tangueros se colocam
como elite e fomentam tais mitos, sem maldade, certamente só para
impressionar, e sem perceber afastam pessoas e prejudicam o crescimento do
segmento. Faltava a propaganda a favor. Por exemplo: É difícil, mas
não impossível, qualquer pessoa aprende. É
lindíssimo e sensual, mais do que qualquer outra dança de
salão. Não se esgota em meia dúzia de passos e
movimentos, as possibilidades são infinitas e todo dia surge algo
novo, em algum lugar do mundo, pois se trata de arte dinâmica e hoje
universal. Isso significa que você pode e deve, sim, improvisar e ser
criativo no tango, quebrando tabus, pois o que cansa é a mesmice e
aquele ciclo vicioso dos mesmos copiando os mesmos. Ao contrário da
lenda, não precisa de parceira ou parceiro fixo. Pelo
contrário, quanto mais variar, melhor dançará com
qualquer pessoa. Você pode optar pelo tango-show, mais complicado, ou
pelo tango de pista, chamado milonguero, simples e gostoso, só para
curtir. São Paulo está muito bem servido de academias e
professores especializados no tango. Existem ótimos locais para
dançar, com músicas lindíssimas, inclusive ao vivo. A
comunidade tanguera tem pessoas maravilhosas, abertas para recebê-lo
fraternalmente. O resto a gente conta lá adiante. Nunca vou esquecer de uma viagem a Buenos Aires, em 1998, a convite de
Jaime Arôxa, para cobrir uma das muitas excursões tangueras que
ele promoveu, em parceria com o grande mestre Mingo Pugliese. Nosso grupo de
cerca de 60 pessoas, maioria mulheres, visitou as principais milongas, em
três noites. Eu morria de inveja vendo o pessoal dançar e
não me atrevia a entrar na pista. Tinha algumas noções
teóricas, sobre o básico, mas prática é coisa
bem diferente. Todo mundo sabe que para pintar precisa-se de tela, tinta e
pincel. Saber usar é outro departamento. Era mais ou menos isso que
acontecia comigo no tango. Sabia sobre caminhada, condução com
o peito, postura, etc., e tenho ouvido musical. São valiosas
informações e critérios, mas não tinha o
principal, que é saber aplicar isso com o próprio corpo. Para um velho dançarino de outros ritmos e veterano de
várias academias paulistanas, ainda que inconstante, foi sempre uma
frustração muito grande. Jurei a mim mesmo que assim que
voltasse de Buenos Aires começaria aulas de tango. Trai meu
próprio juramento. Que aula, que nada. O tempo foi passando, e nada.
Os convites já pipocavam desde os tempos em que Walter Manna tinha
sua academia em Pinheiros. Depois, perdi a conta das
convocações de Virgínia Holl e de Margareth Kardosh.
Prometia ir, mas acabava fugindo. O dever de ofício passou a exigir minha presença, cada vez
mais, nas milongas (infelizmente ainda poucas) de São Paulo. Para
fotografar, documentando shows; para entrevistas ou negócios. De
tanto ver, e de tanto gostar de ver, a vontade de dançar foi
crescendo. Só que para dançar, a gente tem que aprender. Olhar
ajuda, mas não resolve. Se você tentar imitar, sem base
técnica, fica caricato, senão impossível até
pela falta de equilíbrio, de noção de
condução e principalmente dos códigos que regem
determinados movimentos. De repente, assim sem mais nem menos, dei um pontapé no traseiro
da preguiça e resolvi aprender tango. Mesmo sabendo que será
impossível manter regularidade nas aulas e práticas, afinal
não passo dois meses sem uma viagem, as vezes são duas ou
três, fora os dias de fechamento de edição, de correria
total, varando madrugadas na redação e na gráfica.
Você não deve ser menos ocupado, mas achará, como achei,
tempo para aprender. Realmente, é só querer. São Paulo tem excelentes professores e professoras de tango.
Deveres éticos me impedem de ficar citando aqui os nomes das minhas
mestras, mas posso assegurar que são maravilhosas. Estou motivado. O primeiro tango, por exemplo, a gente nunca esquece. O meu foi numa das
milongas periódicas da Confraria do Tango, no Studio de Dança
Forma e Movimento, na Mooca. Tive a honra de ser tirado pela
extraordinária bailarina e encantadora pessoa que é a
Margareth Kardosh, parceira do feríssima Vitor Costa. Ao dispensar
formalidades tolas e tomar a iniciativa, numa atitude simpática, ela
trocou minha natural hesitação por segurança. Generosa
também, a Margareth, pois sem saber me deu um presente. Mesmo com
todas as limitações e certamente erros normais de iniciante,
com meu tango tão simples e despojado, sem as firulas dos grandes
mestres, desfilando na pista com uma bailarina desse calibre, extremamente
leve e sensível à condução até na ponta
dos dedos, o sonho de todo cavalheiro, me senti como um verdadeiro
milonguero. Foi emocionante. Aí não parei mais. É essa magia que você tem que experimentar para amar a
dança. Sem esse doce delírio não vale a pena o
esforço de aprender. Também não espere virar rei, ou
rainha. Vá para as pistas, faça o que pode, esqueça do
mundo, entregue seu coração à música e à
parceira, ou parceiro, e deixe o resto por conta das aulas e do tempo. Sem
perceber, quando menos esperar, estará não só
dançando, como até improvisando, fazendo
adaptações de outros ritmos que domina, e, não duvide,
criando seus próprios passos. Tudo isso, afinal, que é o
melhor da dança. Aula é essencial para dar base técnica
e recursos, e não para engessá-lo em dogmas e passos
marcadinhos, automatizados e dissonantes, como se vê muito nos bailes. O tango é passional. É bonito, etc e tal, mas tem um peso
forte e muito especial. Você não lida com esse aprendizado com
a leveza da salsa, ou com a irreverência do samba. É outro tipo
de emoção, muito forte. Em 1999, com objetivo de fazer uma
reportagem sobre a experiência, fiz aulas de flamenco na Bio-Ritmo
durante uns quatro ou cinco meses. Foi a única emoção
comparável ao tango. O flamenco é muito mais difícil e
complexo, sobretudo quando começa a rapidez do sapateado, bem
rasteiro, conjugado com o movimento alto de braços, alongando seu
corpo numa postura que ambiciona a perfeição. Além
disso, você tem que acompanhar a agilidade do grupo, respeitando o
tempo certo da batida do pé. Haja concentração,
é fantástico, você esquece das horas. Quando decidi
parar levei bronca da minha querida professora, a bailarina Andrea de
Carvalho. Contudo, perdia o sentido aprender e não ter onde
dançar, porque em palco eu não subiria nem amarrado, pois
ninguém melhor do que eu reconhecia a mediocridade do meu desempenho,
apesar dos esforços e da paixão, e mesmo com a justificativa
do pouco tempo de treino. Afinal, eu tinha caído lá para fazer
uma reportagem e não para virar um novo Cortez. Mesmo assim,
até hoje, quanto escuto uma sevilhana, com aqueles solos de trompete
alongados, o sangue ferve e os olhos brilham, como se algum dispositivo de
memória genética acionasse minha adormecida raiz
ibérica. No tango, revivo experiência parecida, porque
não consigo ser frio nem em classe, desde que tenha música.
Nas milongas, então, é uma espécie de transe. Fico
enlouquecido para dançar, para azar das minhas amigas mais queridas,
pois é natural que prefiram quem já sabe bem. Calma, um dia
chego lá. Essas experiências me permitem perceber que existem danças
tão emocionais, que se o aluno sair machucado ele não volta
às aulas e muito menos às pistas, como já vi acontecer.
Por isso, no tema em questão, o único cuidado é ficar
longe das "tangueras", ou "tangueros", que acham que
sabem tudo e compensam suas frustrações pisando na auto-estima
alheia. São sutilezas assim que supostos professores de dança
jamais entendem. Alguns são prepotentes, frios, e se imaginam
melhores do que realmente são. Queimam o mercado, e isso é uma
pena. Mas, felizmente, repito e asseguro que existem excelentes professores
em São Paulo, que trazem o tango nas veias e que entendem que dar
aula de dança – mais do que ensinar passos – é lidar com a
sensibilidade humana. E não basta que lhe ensinem passos e efeitos para impressionar, se
você não entender e assimilar o principal, que é a alma
desta dança sensual e dramática. Todo seu corpo tem que estar
diretamente conectado ao sentimento, mesmo em aula. Na milonga, será
estado de graça. Veja, por exemplo, o jeito sedutor de
abraçar, antes de começar o tango, ou durante a dança
para corrigir a pegada: lento, leve, com seu braço bailarino fazendo
uma suave onda no ar, protegendo, acariciando e aconchegando a dama, agora
sim com virilidade. Afago que ela retribui, se for do ramo, escorrendo sutil
e sensualmente a mão da sua nuca aos ombros, onde encontrará
apoio. É de arrepiar. Por favor me avise, urgente, se conhecer alguma
dança com maior ternura.
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