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Editorial edição 93 de Junho
de 2003
Prefeitura começa a pensar na dança de salão
Ainda que pareça paradoxal, o óbvio as vezes é
tão óbvio que passa quase imperceptível. É o
caso das possibilidades que a dança de salão oferece, nas mais
diferentes vertentes. Nenhuma outra dança, ou forma de atividade
física, consegue ser tão acessível a qualquer idade, e
a qualquer corpo, sem exigir equipamentos especiais e custos dispendiosos.
Basta um sapato confortável, de preferência já usado e
amaciado, pois os caros tênis são contra indicados. E
não prescinde de equipe, é só ter um parceiro ou
parceira. Mas o principal é seu aprendizado relativamente simples,
com dezenas de ritmos e estilos a escolher. Da mais singela valsinha ao
complexo tango, qualquer um pode dançar, desde que queira. É
claro que terá que aprender e treinar, mas e daí? Até
para jogar baralho isso é necessário. Não
conheço ninguém que sentou com amigos e saiu jogando. Mesmo pessoas que não dançam habitualmente, ou nunca
dançaram, não resistem a uma música gostosa. Observem
que elas também se agitam, marcam compasso com as mãos e
pernas, algumas até ensaiam alguns movimentos mais ousados, com jeito
ou sem nenhum jeito, pouco importa. Somente quem sofre de timidez aguda, ou
teve infância por demais reprimida, em ambiente opressor, represa esse
impulso gostoso de se deixar levar pela música. Não é
sem razão que até na espreita da morte, nas marchas para as
grandes batalhas da história, havia sempre clarins e rufar de
tambores, induzindo os homens ao avanço. Até hoje todos os
exércitos têm bandas, a maioria de altíssima qualidade.
Seja para a vida ou para a morte, a música é sempre
companheira, trazendo a dança atrelada, porque até a marcha em
formação do soldado é uma espécie de
coreografia, exaustivamente treinada. O futebol arte também tem muito
de dança. Quem não associa ao futebol músicas como
"Na cadência do samba", trilha dos fabulosos closes em
câmera lenta do Canal 100, que a gente via no cinema? Até o
agito das torcidas, com aquela onda humana chamada de ola, é uma
dança espontânea, popular e alegre. E o que dizer do verdadeiro
balé com bola que nos proporcionam os novos gênios, como
Robinho? Então voltamos ao ponto inicial. De tão presentes e
óbvias nas nossas vidas, a expressão corporal e a necessidade
de usufruí-la, com a emoção musical, chegam a ser
esquecidas ou relegadas a segundo plano entre as prioridades cotidianas. Num
país musical como o nosso, que tem a maior festa dançante do
mundo, o Carnaval, há muito a dança já deveria estar
integrada ao currículo escolar, livre de notas e
avaliações. Aprender a dançar seria algo tão
natural quanto qualquer outra disciplina. Para não impor nada, o
aluno poderia escolher a educação física ou a
dança. Ou ambas. Sobretudo a dança de salão, por todas
as razões já expostas. É por essa razão que merece todos os aplausos a mais
recente iniciativa do Departamento de Promoções Esportivas,
Lazer e Recreação, órgão da Prefeitura de
São Paulo, que desde maio último vem incluindo a dança
de salão no programa intitulado "Mais Esporte". Mesmo
reconhecendo que o futebol é e sempre será o carro chefe, como
mais forte expressão da nossa cultura popular, o projeto, dirigido
por Célio Turino de Miranda, e por convêrnio coordenado por
Regina Menezes Alexandrino, presidente da Federação de
Dança do Estado de São Paulo, contempla a dança como
alternativa para o tempo livre diário de crianças e
adolescentes, mas aceita também outras faixas etárias,
até terceira idade. São 60 oficinas, em 30 locais diferentes, escolhidos entre os
clubes da cidade (centros esportivos da Prefeitura) e CDMs (áreas da
Prefeitura administradas pela comunidade). Cada oficina dura uma hora, duas
vezes por semana, abrangendo várias modalidades de dança, a
maioria dança de salão. Célio Turino de Miranda explica
que "a intenção desse programa pioneiro é
massificar a modalidade entre pessoas que nunca tiveram acesso à
dança, dando-lhes a oportunidade de praticar com profissionais
qualificados e contando com toda toda a estrutura cedida pela
municipalidade". Com total de 1.800 vagas para este ano, só no
primeiro mês o programa teve mais de 800 inscritos, o que prova que
existe grande demanda neste mercado maciçamente ocupado por academias
particulares, que dependem das mensalidades para sua sobrevivência. A Secretaria de Esportes, Lazer e Recreação, e a
Federação de Dança, estão de parabéns por
este esforço. Nas administrações anteriores, de Maluf e
seu pupilo Pitta, que levaram São Paulo a uma trágica
situação de insolvência, não se viu nada
parecido. Contudo, mesmo com esse justo reconhecimento, podemos e devemos
afirmar que ainda é pouco. A vastidão da cidade comporta a
multiplicação desse programa por dez ou vinte vezes mais,
alongando seus prazos. Para isso poderia ser usada a estrutura da rede de
escolas de dança que já existem. Depois de analisada a
capacitação técnica e física de cada escola que
se candidatasse ao programa, mediante determinados pré-requisitos
estabelecidos pelo poder público, seria repassada uma
subvenção mensal para financiamento de um determinado
número de bolsas, com quotas iguais para homens e mulheres, como
também para faixas etárias. As pessoas interessadas seriam
cadastradas e escolhidas para essas bolsas mediante sorteio público,
nas próprias escolas. Haveria, portanto, o máximo de
transparência e nenhum risco de fraude ou favorecimento. A verba teria
limites máximos e mínimos, em valores modestos, e oscilaria
conforme o número de bolsas concedidas. Uma das grandes vantagens desse sistema é seu caráter
democrático e pluralista na aplicação dos recursos
públicos. Não favorece poucos amigos do rei. Favorece muitos
amigos da comunidade. É bom para a Prefeitura, porque realiza um
programa de porte com o mínimo de gasto, sem
preocupações com contratação de professores e
funcionários, nem de manutenção de espaços. Bom
para as academias, que melhoram seus caixas com a verba, eliminam eventuais
ociosidades e incrementam a difusão do seu trabalho. Bom para a
população que não pode pagar uma escola de
dança, mas gostaria de estar lá, exercendo um direito
plenamente justo e saudável. Entraves jurídicos e burocráticos podem dificultar
idéias como essa, mas não necessariamente sepultá-la
sem qualquer avaliação. Antes de dizer que não
dá, geralmente a opção dos inoperantes, seria
recomendável um estudo de viabilidade, considerando que quase sempre
existem brechas legais. Contratação de prestadoras de
serviços é fato corriqueiro na administração
pública. Tecnicamente, é o primeiro ponto de partida. O
segundo, e indispensável, é vontade política. Milton
Saldanha Jornalista |
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