Jornal Dance - Café Piu Piu
Café Piu Piu, 14 anos de resistência
cultural
Abril/1997
FRANCESCA RAFAELLE
Ao longo de 14 anos de
existência, o Café Piu Piu tem colaborado para
enriquecer a história do Bixiga, um pedaço da cidade
que merece e precisa ser revitalizado com a máxima
urgência e com o apoio de toda a sociedade. O Café Piu
Piu é também um marco na resistência cultural
contra a música enlatada, preservando espaço aos
artistas.
O Bixiga, a exemplo de outros bairros
paulistanos, traduz algumas das inúmeras identidades
históricas, culturaios, traduz algumas das inúmeras
identidades históricas, culturais e de lazer, que caracterizam
a cidade de São Paulo. As principais ruas do bairro - formado
por imigrantes italianos, que lá fixaram não apenas
residência, mas também trabalho - abrigam dezenas de
cantinas, bares, museus, teatros, casas de shows e espaços
culturais e propiciam inúmeros eventos. Festas populares da
Escola de Samba Vai Vai e do Bloco Carnavalesco dos Esfarrapados, que
acaba de completar 50 anos, e a religiosa da Paróquia de Nossa
Senhora Achiropitta atraem para o bairro milhares de pessoas.
Várias são também as personalidades do
cenário artístico-cultural que prestigiam bares e
casas, como o Café Piu Piu, há 14 anos.
Resistência cultural
A origem do nome do Café Piu Piu se deve à
sonoridade da palavra, pois é um termo brasileiro,
fácil de memorizar, que combinou com o estilo
descontraído e charmoso do bar. Tradicionalmente, a casa
mantém sua história musical na noite paulistana. Alguns
locais fecharam sua portas e poucos mantêm estrutura adequada,
com palco, som, luz e atendimento. Ao contrário de bares que
só tocam música mecânica, o Café Piu Piu
destaca-se como uma casa de resistência cultural, sustentando
uma luta contínua, que leva a sério a fórmula
chope-com-música ao vivo, defendendo seu espaço para
talentosos e mesmo iniciantes, con lando gêneros musicais,
independente do estilo e apresentando o que existe de melhor na MPB,
blues, jazz, rockabilly e rock de todos os tempos.
Foi palco das tendências vanguardistas da MPB, onde
desfilaram, entre outros nomes, Arrigo Barnabé, Itamar
Assumpção, Raul de Souza, Márcio Montarroyos,
Eliete Negreiros, Demônios da Garoa, Paul Brasil, Grupo Rumo,
Premê e Lingua de Trapo. O jazz e o blues também
encontraram seu espaço apresentando nomes como Paulo Moura,
Nivaldo Ornellas, André Cristovão, Nuno Mindelis e
Tradicional Jazz Band. O Projeto Piu Piu pelo Brasil recebeu, em 94,
compositores e intérpretes de todo o País, como
Jamelão, Sivuca e Borguetinho. E o rock'n'roll continua
ocupando o palco e a pista toda quinta, sexta e sábado,
reunindo bandas como The Krent's, Devotos de Nossa Senhora Aparecida,
Alex Valenzi & The Hide-A-Way-Kats, Kid Vinil, IRAI, Marcelo
Nova, Os Ostras e Little Quail. No primeiro domingo de cada mês
acontecem projetos diferenciados na área sócio-cultural
e no último é a vez do tango para quem gosta de
dançar.
Espaço Multicultural
Mas além de estimular a valorização da
memória musical, O Café Piu Piu sempre esteve aberto
à cultura geral, constituindo-se num espaço
democrático para outras espressões artísticas.
Foi palco de dança, exposições, teatro,
música erudita com a apresentação de
Eudóxia de Barros, e da ópera Carmen com a soprano
Heloisa Baldin e elenco do Teatro Municipal, perfeitamente integrada
ao cenário local, pois parte da peça se passa,
originalmente, numa taberna. Foi a primeira vez que se pode assistir
a uma ópera comendo e bebendo descontraídamente.
Equilibristas e artistas de circo fizeram performances
inesquecíveis. Por lá já passaram escritores
como Inácio de Loyola, Glória Pires e Leila Micolis,
pintores e políticos em campanha, como Fernando Henrique
Cardoso, Mário Covas, Franco Montoro e Beth Mendes.
Semelhanças
Para muitos, o Café Piu Piu revela o charme e o clima de
bares de Chicago e New Orleans, ou como afirmou o jornalista David
Drew Zingg referindo-see à lembrança que faz com o
Village e do escritor Ignácio de Loyola comparando-o aos bares
de estação de trem. Muita gente, hoje famosa,
também iniciou carreira no bar, como Misty, que mais tarde foi
convidada a participar da peça Emoções Baratas,
de José Pozzi Neto, ou a escritora Ruth Rocha, que tocava com
um grupo de amigos, a soprano lírica Celine Imbert, que
cantava com um grupo de rock, e a atriz Marisa Orth. Algumas
personalidades do meio musical deram canjas históricas e
inesquecíveis, como o americano guitarrista de blues Larry
McGray, Alceu Valença, Angela Maria e Cauby Peixoto.
Estilo
O café Piu Piu nasceu onde antes existia o Teatro 13 de
Maio. Totalmente construído com tijolos à vista e
madeiramento antigo, no estilo anos 50, o local assemelh se a um
cenário que se modifica de acordo com o tema, favorecendo a
realização de espetáculos e shows ao vivo. Mesmo
dispondo de excelente área física, todos os
espaços utilizados garantem conforto e liberdade de movimento
para dançar e circular, inclusive para os garçons. O
salão abriga, na parte central, a pista de dança e o
palco, rodeados por mesas de mármore branco e cadeiras de
madeira. O café e o bar ocupam as extremidades, favorecendo a
circulação do público. Ambos foram
construídos em madeira maciça envernizada e são
comandados por mulheres. Além do charme especial que
dão à casa, preparam coqueteis e drinks. A casa foi
pioneira em contratar universitários no lugar de
garçons, propiciando atendimento alegre e informal. Foi,
também, o primeiro bar em São Paulo a entrar na
informática.
Sua arquitetura e decoração despojada possibilita
happening artístico, a exemplo das obras expostas e
telões em tecidos, distribuídos pelo salão.
Outros materiais utilizados foram aproveitados de casas antigas em
demolição, como as portas coloniais e janelões,
ou os vitrais obtidos num palacete dos Campos Elíseos, e de
elementos como o avião rodeado de néon, móbiles
franceses e bonecos espanhois de papier marchê compondo
detalhes únicos. No conjunto, o moderno e o novo revelam a
convivência harmônica entre estilos, sejam
arquitetônicos como o alumínio dos dutos do ar
condicionado sobre a madeira, sejam musicais, mesclanco estilos
diferentes como o rock anos 50 às correntes dos anos 90.
Rua 13 de Maio, 134
Bixiga - São Paulo - SP
Tef. (011) 258-8066
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