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Flávio Miguel: Sabemos que você
tem uma deficiência auditiva. Qual é o histórico e
o grau de sua surdez?
Cacau Mourão: Tenho surdez
profunda, portanto sou, tecnicamente, surdo total. Só ouço
um pouquinho, tenho mais ou menos 20% da audição normal.
Não sei se já nasci surdo, ou se perdi a audição
pouco depois, porém o que importa é que tenho muita sorte
em ter preservado esses 20%.
FM: Como você aprendeu a falar,
já que se percebeu surdo ainda muito criança?
CM: Me comunicando com minha família,
principalmente minha mãe...Ela sempre me deu muita atenção
e me fazia olhar nos olhos. E me incentivava a substituir os gestos pelas
palavras, superando a dificuldade. Assim me acostumei a falar. Sempre que
converso com alguém, olho nos olhos e enquanto vou lendo seus lábios,
ele pode falar normalmente comigo. Só quando a fala é muito
rápida ou a pessoa fala "entre dentes" tenho maiores dificuldades.
Ah, tem ainda aqueles que usam bigodes: como vou ver os lábios???
(risos). Domino também a linguagem de sinais, que me foi ensinada
aqui no Rio pelo meu amigo Prof. Nelson Pimenta, para poder me comunicar
com outros surdos.
FM: Quando dança você
usa aparelho para surdez?
CM: Com aparelhos auditivos não
ouço as palavras. Não entendo nada, apenas ouço o
som blá blá... um barulho.... Em criança usava aparelho...me
acostumei...depois parei. Do quê me adianta? Só uso se for
para dirigir (é obrigatório), no cinema e para dançar
no palco quando não há música instrumental. Prefiro
ficar sem aparelhos.....ouço o silêncio como se estivesse
calmo e tudo em paz....ouço a música (com o aparelho não
há vibração, apenas o som: voz, prato, algum tipo
de ferro, etc...) Se tivesse um aparelho que proporcionasse o efeito de
uma caixa acústica, com certeza usaria sempre...
FM: Como e porque começou a
dançar?
CM: O Maranhão é
um estado com muita riqueza na parte cultural. Temos danças folclóricas
e o povo adora dançar. Um dia, ainda criança, estava em uma
festa na casa da minha avó quando apareceu um grupo de dançarinos.
O som forte e o ritmo de lá me fizeram sentir uma emoção
tal que comecei a imitar os movimentos e depois não parei mais!!!
Aos 14 anos ganhei uma bolsa de estudos em uma academia de aeróbica,
depois conheci o professor de Jazz Henrique Serra que também me
concedeu uma bolsa, depois formei meu próprio grupo de Jazz. Fui
convidado pelo grupo folclórico Cacuriá de Dona Teté
para trabalhar nas festas de São João, percorrendo várias
cidades do interior. Foi um tempo muito bom.
FM: Conte mais sobre essas experiências
com dança: quais estilos, onde aprendeu, como, que atividades desenvolveu.
CM: Aos 22 anos, fui convidado
para estudar balé clássico. Eu tinha um pouco de preconceito,
achava muito afetado, mas depois que assisti alguns aulas com um bailarino
cubano, simplesmente perfeito, não parei mais... depois ganhei uma
bolsa de estudo de clássico no Teatro Arthur Azevedo, sob a direção
do professor Antonio Gaspar, e acabei formado, fazendo parte do corpo de
baile da Ópera Brasil, dirigido por Fernando Bicudo, onde participei
de espetáculos como "Catirina", Nordestenamente", " Orfeu e Euridice"
e outros. Foram as maiores emoções da minha vida...
FM: Como entende e trabalha ritmo e
musicalidade?
CM: Você não consegue
imaginar como faço balé clássico e não entendo
nada da música pois o piano não tem ritmo ou vibração,
danço sem música...Como??? É fácil, como todos
os outros bailarinos sou obrigado a contar os passos dos movimentos: um,
dois, três, quatro...até oito. Se no espetáculo houver
partes sem música, apenas cantado (voz), preciso usar meu aparelho
auditivo, como já aconteceu na coreografia Maculelé (do espetáculo
do Nordestenamente) que é apenas cantado e tendo facões batendo
o ritmo. Às vezes, quando entro no palco, um dos bailarinos faz
sinal para que eu fique à frente, aí eu começo a dançar...
sem preocupação....fico dançando com a emoção...
Sinto a musica, minha pele é muito sensível. O meu pé
no chão é impossível de sentir... não sei de
onde estou ouvido, pode ser meu braço ou peito ou pescoço
ou cabeça ou...meu coração!!!! Como se minha alma
estivesse escutando as músicas e eu acompanhando...
FM: O que o motivou a vir para o Rio?
Como foi o teste da Cia Carlinhos de Jesus? Fale um pouco sobre seu trabalho
com Dança de Salão.
CM: Tinha grande interesse em vir
para o Rio para me aprimorar e ter outros horizontes, aí vim a convite
do Fábio de Mello e as coisas começaram a acontecer. Estou
desde 1999 na Cia Carlinhos Jesus, o que me faz muito feliz, amo dança
de salão...No começo, os dançarinos ficaram em dúvida
e se preocupavam comigo: como eu poderia dançar? Ficaria no ritmo?
- não sei o que eles pensavam. Eu não me preocupei e o Carlinhos
sabia que eu poderia dançar como eles...estudei muito, observando
o jeito deles, como eu não era formado em dança de salão...
mas, depois eles ficaram emocionados... me apoiando e me respeitando como
profissional...
FM: Já esbarrou em preconceitos
que lhe atrapalhassem o estudo/trabalho com dança?
CM: Não nunca, mas no início
de qualquer trabalho, as pessoas ficam um pouco desconfiadas - se vou conseguir
entender ou sentir a música, mas no final, sempre se surpreendem
com meu esforço e dedicação.
FM: Quem você apontaria como
grandes incentivadores de sua carreira?
CM: No início meu ex-professor
de jazz, Henrique Serra, que me incentivou demais. Isso foi no Maranhão
- onde tudo começou.... Mais duas pessoas me auxiliaram muito: Fernando
Bicudo e Antônio Gaspar. Também os bailarinos da Ópera
Brasil ... Aqui no Rio de Janeiro, Fábio de Mello e a Companhia
Carlinhos de Jesus.
FM: Fale de sua atividade e/ou projetos
em relação a outros surdos.
CM: Fábio de Mello é
um grande coreógrafo e tem projetos voltados para a área
de deficiência auditiva. Eles contarão com a minha participação
dando aulas de dança para crianças e adultos e também
de um outro surdo, o ator Nelson Pimenta, estará me auxiliando.
Fui, ainda, convidado a dar aulas para jovens e adultos na Casa de Cultura
do Silêncio, especializada em deficientes auditivos, onde ministrarei
aulas de dança de salão e jazz.
FM: Que orientação/conselho
daria a outros jovens com deficiência auditiva que querem dançar
e para aqueles que se propõem a trabalhar com eles?
CM: Que lutem e que vão
em frente para que todas as barreiras possam ser ultrapassadas e alcançar
a realização do sonho de dançar, mesmo sendo surdo.
E para aquelas pessoas que querem trabalhar com deficientes auditivos,
meu desejo é que utilizem o máximo da boa vontade e dedicação
pois certamente terão um grande retorno.
Saideiras
Lambada na Internet - Se você navega nos mares de “bits” e é fã da lambada - vale a pena visitar a página www.zoukbrasil.com.br . Parabéns ao web-master Anibal Bentes.
A trinca da Salsa - A salsa tem, a partir das 22:00 h., pista cativa em 3 dias da semana no Rio: 5a feira no “Mariuzinho”, com o Dj Augustin; 6a feira no “Café do Beco”, onde quem comanda a festa é o “Us Dois” parceria de Paola e Flávio Miguel. O Dj responsável é o Ara. Sábado, o baile fica por conta do grupo "Salsa Pura" no “Boteco da Ribeiro”.
Nova lambadeira - Nasceu em 28 de janeiro a primeira filha dos dançarinos Adílio e Renata Porto: Bruna. Parabéns ao casal!
Trilha de sucesso - Comemorando o objetivo alcançado em seu curso para professores, Jaime Arôxa anuncia mais duas vitórias: o convite para que sua companhia se apresente no Festival de Joinville e a confirmação do retorno do espetáculo "O homem, a mulher e a música" dentro do projeto de dança do Teatro do BNDES - Rio.
Na telinha - As vinhetas do carnaval
2001 da Rede Globo apresentam uma feliz novidade: a participação
de Carlinhos de Jesus dizendo no pé e ressaltando a tradição
dos antigos carnavais.