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COLUNA VERA ARAGÃO
UMA
JOVEM DE FUTURO Quando
Platão propõe, no mito da caverna que procuremos ver a Idéia, nos afastando do
mundo sensível, da imagem que nos é mostrada, ele não está propondo a supressão
dos sentidos dos quais estamos impregnados, mas que busquemos algo que possa
ser abstraído da realidade sensível, ou seja, desenvolver em nós a percepção do
não visível. Na
última encenação de O Quebra Nozes em dezembro passado, pela companhia Dançando
para não dançar, no Teatro João Caetano, admirando a estética, o apuro técnico,
a sensibilidade à flor da pele em Francisca Soares, de imediato reportei-me à
promessa de futuro acenando a esta jovem integrante do projeto comandado por
Thereza Aguilar. Francisca
destacou-se no solo da dança árabe daquele ballet,
pelos requisitos mencionados, acrescidos de pés lindos e bem trabalhados; não
dançou nas pontas, por estar se recuperando de um problema. Pena. Ao que tudo
indica, poderia ter sido ainda mais belo vê-la usando o artifício que a dança
acadêmica criou para aumentar a sensação de leveza, flutuação, espiritualidade,
tão ao gosto do romantismo. Mas isto não encobriu o brilho de sua performance.
Foi lindo, ela é linda. Mas
me reporto novamente a Platão: ao ver Francisca, tocada em meus afetos como
espectadora, vi o invisível que, neste caso, para mim, representa o futuro que
a dança delineia a moradores de tantas comunidades, como caminho capaz de superar o quadro de desigualdade e
vulnerabilidade social que vitimiza, em particular, crianças e adolescentes que
vivem em espaços de risco, conforme pretende o projeto.
Trata-se de possibilidade de futuro. Não
acredito, como Platão, em uma educação formal ou informal, de elite ou popular,
sem arte. Sinto a crise das referências clássicas na construção do conhecimento
e gostaria de resgatá-las, propondo a revisão dos paradigmas em busca de novos
ideais. Julgo ser a dança a forma artística que disponha de maior número de
elementos facilitadores do desenvolvimento da sensibilidade, percepção,
imaginação, criatividade e, principalmente, da expressão da criança,
propiciando a educação dos sentidos sobre os quais se baseia a consciência e,
em última análise, a inteligência e o raciocínio humanos. Defendo a educação
pela arte. Não a arte-educação ou dança-educação que vem sendo praticada
atualmente. E defendo o ballet como caminho
mais sistematizado à construção – e, posteriormente, àqueles que o desejarem, a
desconstrução – do aprendizado em dança. Os códigos
do ballet não aprisionam, ao contrário,
conferem liberdade quase ilimitada ao corpo / mente que deles se apropria,
óbvio, sem pretender impingi-los a crianças de cinco anos – nem o ballet prevê isso; mas, respeitar as habilidades da
criança em cada uma de suas fases evolutivas, construindo, gradualmente, o
afinamento expressivo que caracteriza a arte da dança. Mas isso é conversa
longa, para outra oportunidade. Vendo,
então, Francisca Soares, vi ballet, educação,
construção de cidadania, vi futuro.
Que
venham quantos projetos similares ao Dançando para não dançar, tanto quanto possível.
Que venha a dança no ensino formal. Hoje, educadores de todo país discutem multiculturalismo, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, como tendências do mundo atual em
direção à formação dos jovens nesse início de século. O respeito às várias culturas
e etnias são trabalhados na interligação entre disciplinas, de modo a propiciar
a formação holística do indivíduo. A escola deve, então, refletir sobre seu
papel no incentivo e valorização da cultura, repensar estruturas curriculares
que levem à construção dessa práxis transformadora e libertadora. À
Francisca Soares, a jovem de futuro.
Vera Aragão (bailarina aposentada do Theatro
Municipal do RJ, formada pela escola Maria Olenewa, integrante do primeiro
elenco da Companhia Brasileira de Ballet, pedagoga, mestranda da UNIRIO,
professora de ballet e prática de ensino do curso de licenciatura em dança da
UniverCidade, RJ).
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