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O MUNDO DA DANÇA SAN LUIS POTOSÍ Na sua vigésima quarta edição o festival de dança
mais antigo e ainda ativo da América Latina orienta sua bússola ao futuro. Com uma edição dedicada a sua fundadora, a mestra Lila Lopez, o Festival Internacional de Dança de San Luis Potosí parece fechar
definitivamente um ciclo. Deve ter
sido difícil para sua nova diretora, María González
(apesar de sua extensa experiência com o Festival Cervantino
de Guanajuato) assumir a coordenação de um evento com
tantos anos, o que sempre implica em modos de operação cristalizados. Mas a
proposta funcionou, passou de Julho para Outubro, aproximando-se a outros
eventos internacionais (como o próprio Cervantino),
implantou um conselho técnico consultivo para garantir a qualidade no futuro,
profissionalizou a produção, expandiu o orçamento e os horizontes: uma mudança
radical mas reflexiva ao mesmo tempo. Além da
programação de apresentações, o festival apostou no seu perfil pedagógico,
apresentando cursos, seminários, mesas redondas, vídeo dança; um sem fim de
opções para bailarinos, coreógrafos, professores e críticos. A abertura
do Festival esteve a cargo da Compagnie Marie Chouinard de Quebéc com “Les 24 préludes” e “Le cri du Monde”. A companhia
canadense, seriamente comprometida com a linha estética de sua diretora,
brindou-nos com momentos formalmente magistrais. Vuyani Dance Theatre da África do Sul apresentou sua produção mais
recente “Ketima”, que aborda o tema da pressa num
dilatado desenvolvimento. Um extenso solo do coreógrafo, Gregory
Magama sobre a “ária para a corda sol” de Bach
repetida inúmeras vezes, seguido de um quarteto masculino ao som de percussão
ao vivo. Trata-se de uma obra com algumas ingenuidades conceituais e bastantes
minutos a mais, mas ainda assim tem passagens interessantes e um dos
intérpretes ostenta boas dinâmicas naturais. O Vuyani
Dance Theatre deverá agora dedicar-se
a encurtar suas propostas e melhorar o treinamento, sobretudo no que refere a
seus pés, que chegam a categoria de impossíveis. O
grupo de dança gay La Cebra,
fundado por José Rivera Moya
em 1996 na Cidade do México foi sem dúvida das participações mais espetaculares
do Festival. O elenco integralmente masculino de La Cebra mostrou seis obras curtas de seu repertorio para um
teatro cheio e entusiasta. “Bailemos
a Mozart por los angeles que se han ido”
(2001) abriu o programa mostrando um deliciosamente ingênuo exercício barroco
em homenagem às vitimas da AIDS, seguido pelo solo da obra “Bajorrelieve”
de Lidya Romero, interpretado com não pouco encanto
pelo próprio Rivera. “Cisne negro, cisne blanco” (1995) teve um bom desenho coreográfico bem
executado por Gerardo Molisco e Manuel Stephens; este último também responsável pela coreografia “Damascus”, septeto com momentos
de lograda tensão dramática. O primeiro ato finalizou com “Oraciones”
de Graciela Henriquez, obra
que cumpre 25 anos de sua estréia e que já foi interpretada por numerosas
companhias de dança contemporânea na América Latina; e que apesar de mostrar
sinais do tempo conserva interesse. O
segundo ato, em grande estilo, foi o célebre “Huapango”
do compositor mexicano José Pablo Moncayo, bem executado
ao vivo pela Orquestra Sinfônica de San Luis Potosí. Sob o título de “Rosa Mexicano” Rivera
realizou uma audaz releitura da reputada partitura, com sagacidade conceitual e
um vocabulário retró que evoca a dança
moderna. O elenco de La Cebra
mostrou um insight inquestionável e apesar de alguns físicos
ligeiramente fora de forma e algumas impurezas técnicas nas terminações, o
desempenho grupal é convincente, com destaque para Cristhian
Rodriguez, de acentuada vitalidade. O público fez sua parte, ovacionando a nova
iniciativa do instigante grupo mexicano. A
companhia San Juan de Letrán
danza jazz contemporânea, dirigido por Emma Pulido mostrou oito peças de
seu repertório firmadas por Lucero Camarena, Ricardo Cossio, Edgar Zendejas e Kay Andersen, com
destaque para as empenhadas execuções do elenco. Sobressaiu a requintada
interpretação de Laura Morelos no solo “En planicie de lo etéreo”. Laura Morelos, a quem
o público está acostumado a ver nos principais papéis dos grandes ballets de repertório tradicional, está num momento
artístico de grande plenitude, Seu corpo e sua sensibilidade estão prontos para
grandes desafios, e sua participação neste espetáculo foi um prêmio para o
público ávido de talento. O
grupo cubano DanzAbierta que
dirije Marianela Boan apresentou “Chorus Perpetuus”, uma proposta definitivamente prescindível,
pobremente executada, desnecessariamente extensa e de fatura escolar. O
Ballet Nacional do México que dirige a célebre Guillermina Bravo, apresentou El Jinete Azul de Luis Arreguin
baseada em 15 quadros de Kandinsky; uma obra
anacrônica aonde se destaca apenas a fabulosa trilha sonora que inclui peças de
Bruni Tedeschi e Schöenberg. Antares Cia. de Danza de Hermosillo (estado de Sonora) trouxe a produção com a qual
está excursionando o país faz mais de um ano: “Cielo en Rojo”, uma peça quase crítica de Miguel Mancillas, que apesar de lhe sobrarem uns minutos e o
intervalo, se trata de uma obra séria e digna. Além de mostrar o refinamento e
caráter reflexivo de seu coreógrafo, “Cielo en Rojo” ostenta um bom elenco, a começar pelo naipe
masculino encabeçado pelo próprio Mancillas, bem
escoltado pelo eficiente Isaac Chow e o extremamente
promissor Gervasio Cetto,
um excelente índice da nova geração de bailarinos mexicanos, que apenas
passaram os 20 anos e já estão fazendo apostas artísticas
respeitáveis. O elenco feminino (apesar de um dos físicos estar fora de
forma para o papel) acompanhou à altura, e não é demais dizer que ver dançar a
Eunice Hidalgo é sempre um prazer. A
“Gala de solos” foi um dos pontos altos do Festival, não só pela qualidade das
obras e seus executantes, assim como também porque o caráter misto da
apresentação cativou o público do Festival. Apresentações “monolíticas” em
festivais costumam ser uma aposta temerosa. É difícil acertar uma estética que
possa satisfazer a maioria do público assistente, onde existe uma boa proporção
de platéia especializada. A
jovem Dalel Bacre Cuevas defendeu com capacidade e refinadas proporções
físicas o belo “Azul Oniris” de Jaime Camarena. Gabriela Ruiz também executou corretamente o
interessantíssimo “Hada sobre gelatina”, poema mínimo
e coerente de Evoé Sotelo.
A interessante Tatiana Zugazagoitia interpretou com
solvência sua “Danza para Zuga
con taza de café”, e a
competentíssima Alicia Sanchez deleitou com a bem ambientada “Los monólogos de A ...(segunda
versão)” em que enuncia algumas citações a “Smoke”
(ou “Solo for Two”, na sua versão cênica) do
coreógrafo sueco Mats Ek,
ao som da mesma partitura do compositor estoniano Arvo
Pärt. O
rendimento dos solistas masculinos também teve pontos fortes, Óscar Ruvalcaba Pérez mostrou
boas densidades em seu “Canto” y Jesus Ponce y Raúl Talamantes dançaram com convicção dois solos de “Contracuerpo” de Jorge Dominguez. Antonio Salinas brilhou em sua “Toneladas
de luz” com excelente trilha sonora que incluiu Deep
Forest, Tom Waits, Kodaly Zoltán, Gavin Friday
e Maurice Seezer. Salinas esta mais limpo, sem perder
sua poesia de rua, mérito que comparte com sua ensaiadora
Fabienne Lacheré. Por esse
caminho, tecnicamente mas refinado, o universo
coreográfico de Salinas certamente ganhará novos espaços. A gala de solos deixou a refrescante
impressão da diversidade, sempre bem-vinda. O
encerramento do festival coube ao continente convidado com o espetáculo ao ar
livre “Desde el corazón de Africa” que reuniu aos grupos Not
Guilty, Isingqi Sembokodo. African Flag Pantsula e Amabutho, em um verdadeiro show de danças populares onde as
danzas Zulú,
o Hip-Hop, la Pantsula e o Gum
boot dance esbanjaram energia entusiasmando a todos. Como epílogo o Ballet Provincial de San Luis Potosí, dirigido pela mestra Carmen
Alvarado, apresentou no Teatro da Paz um programa
misto com obras de sua fundadora a mestra Lila Lopez. San Luis Potosí já anuncia sua
edição Bodas de prata do Festival em Outubro de 2005, vale a pena estar
atento. Valerio Cesio é crítico e coreógrafo
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