Jornal DAA
Jornal Dança, Arte & Ação
Principal
Edição Atual Edições Anteriores Participe Informativo Fale Conosco
     Rio de Janeiro -
Jornal DAA Mundo da dança - 66

O MUNDO DA DANÇA



 

SAN LUIS POTOSÍ

 

                Na sua vigésima quarta edição o festival de dança mais antigo e ainda ativo da América Latina orienta sua bússola ao futuro.

                Com uma edição dedicada a sua fundadora, a mestra Lila Lopez, o Festival Internacional de Dança de San Luis Potosí parece fechar definitivamente um ciclo.

Deve ter sido difícil para sua nova diretora, María González (apesar de sua extensa experiência com o Festival Cervantino de Guanajuato) assumir a coordenação de um evento com tantos anos, o que sempre implica em modos de operação cristalizados. Mas a proposta funcionou, passou de Julho para Outubro, aproximando-se a outros eventos internacionais (como o próprio Cervantino), implantou um conselho técnico consultivo para garantir a qualidade no futuro, profissionalizou a produção, expandiu o orçamento e os horizontes: uma mudança radical mas reflexiva ao mesmo tempo.

Além da programação de apresentações, o festival apostou no seu perfil pedagógico, apresentando cursos, seminários, mesas redondas, vídeo dança; um sem fim de opções para bailarinos, coreógrafos, professores e críticos.

A abertura do Festival esteve a cargo da Compagnie Marie Chouinard de Quebéc com “Les 24 préludes” e “Le cri du Monde”. A companhia canadense, seriamente comprometida com a linha estética de sua diretora, brindou-nos com momentos formalmente magistrais.               

Vuyani Dance Theatre da África do Sul apresentou sua produção mais recente “Ketima”, que aborda o tema da pressa num dilatado desenvolvimento. Um extenso solo do coreógrafo, Gregory Magama sobre a “ária para a corda sol” de Bach repetida inúmeras vezes, seguido de um quarteto masculino ao som de percussão ao vivo. Trata-se de uma obra com algumas ingenuidades conceituais e bastantes minutos a mais, mas ainda assim tem passagens interessantes e um dos intérpretes ostenta boas dinâmicas naturais. O Vuyani Dance Theatre deverá agora dedicar-se a encurtar suas propostas e melhorar o treinamento, sobretudo no que refere a seus pés, que chegam a categoria de impossíveis.

                O grupo de dança gay La Cebra, fundado por José Rivera Moya em 1996 na Cidade do México foi sem dúvida das participações mais espetaculares do Festival. O elenco integralmente masculino de La Cebra mostrou seis obras curtas de seu repertorio para um teatro cheio e entusiasta.

                “Bailemos a Mozart por los angeles que se han ido” (2001) abriu o programa mostrando um deliciosamente ingênuo exercício barroco em homenagem às vitimas da AIDS, seguido pelo solo da obra “Bajorrelieve” de Lidya Romero, interpretado com não pouco encanto pelo próprio Rivera. “Cisne negro, cisne blanco” (1995) teve um bom desenho coreográfico bem executado por Gerardo Molisco e Manuel Stephens; este último também responsável pela coreografia “Damascus”, septeto com momentos de lograda tensão dramática. O primeiro ato finalizou com “Oraciones” de Graciela Henriquez, obra que cumpre 25 anos de sua estréia e que já foi interpretada por numerosas companhias de dança contemporânea na América Latina; e que apesar de mostrar sinais do tempo conserva interesse.

                O segundo ato, em grande estilo, foi o célebre “Huapango” do compositor mexicano José Pablo Moncayo, bem executado ao vivo pela Orquestra Sinfônica de San Luis Potosí. Sob o título de “Rosa Mexicano” Rivera realizou uma audaz releitura da reputada partitura, com sagacidade conceitual e um vocabulário retró que evoca a dança moderna. O elenco de La Cebra mostrou um insight inquestionável e apesar de alguns físicos ligeiramente fora de forma e algumas impurezas técnicas nas terminações, o desempenho grupal é convincente, com destaque para Cristhian Rodriguez, de acentuada vitalidade. O público fez sua parte, ovacionando a nova iniciativa do instigante grupo mexicano.

                A companhia San Juan de Letrán danza jazz contemporânea, dirigido por Emma Pulido mostrou oito peças de seu repertório firmadas por Lucero Camarena, Ricardo Cossio, Edgar Zendejas e Kay Andersen, com destaque para as empenhadas execuções do elenco. Sobressaiu a requintada interpretação de Laura Morelos no solo “En planicie de lo etéreo”. Laura Morelos, a quem o público está acostumado a ver nos principais papéis dos grandes ballets de repertório tradicional, está num momento artístico de grande plenitude, Seu corpo e sua sensibilidade estão prontos para grandes desafios, e sua participação neste espetáculo foi um prêmio para o público ávido de talento.

                O grupo cubano DanzAbierta que dirije Marianela Boan apresentou “Chorus Perpetuus”, uma proposta definitivamente prescindível, pobremente executada, desnecessariamente extensa e de fatura escolar.

                O Ballet Nacional do México que dirige a célebre Guillermina Bravo, apresentou El Jinete Azul de Luis Arreguin baseada em 15 quadros de Kandinsky; uma obra anacrônica aonde se destaca apenas a fabulosa trilha sonora que inclui peças de Bruni Tedeschi e Schöenberg.

                Antares Cia. de Danza de Hermosillo (estado de Sonora) trouxe a produção com a qual está excursionando o país faz mais de um ano: “Cielo en Rojo”, uma peça quase crítica de Miguel Mancillas, que apesar de lhe sobrarem uns minutos e o intervalo, se trata de uma obra séria e digna. Além de mostrar o refinamento e caráter reflexivo de seu coreógrafo, “Cielo en Rojo” ostenta um bom elenco, a começar pelo naipe masculino encabeçado pelo próprio Mancillas, bem escoltado pelo eficiente Isaac Chow e o extremamente promissor Gervasio Cetto, um excelente índice da nova geração de bailarinos mexicanos, que apenas passaram os 20 anos e já estão fazendo apostas artísticas respeitáveis. O elenco feminino (apesar de um dos físicos estar fora de forma para o papel) acompanhou à altura, e não é demais dizer que ver dançar a Eunice Hidalgo é sempre um prazer.

                A “Gala de solos” foi um dos pontos altos do Festival, não só pela qualidade das obras e seus executantes, assim como também porque o caráter misto da apresentação cativou o público do Festival. Apresentações “monolíticas” em festivais costumam ser uma aposta temerosa. É difícil acertar uma estética que possa satisfazer a maioria do público assistente, onde existe uma boa proporção de platéia especializada.

                A jovem Dalel Bacre Cuevas defendeu com capacidade e refinadas proporções físicas o belo “Azul Oniris” de Jaime Camarena. Gabriela Ruiz também executou corretamente o interessantíssimo “Hada sobre gelatina”, poema mínimo e coerente de Evoé Sotelo. A interessante Tatiana Zugazagoitia interpretou com solvência sua “Danza para Zuga con taza de café”, e a competentíssima Alicia Sanchez deleitou com a bem ambientada “Los monólogos de A ...(segunda versão)” em que enuncia algumas citações a “Smoke” (ou “Solo for Two”, na sua versão cênica) do coreógrafo sueco Mats Ek, ao som da mesma partitura do compositor estoniano Arvo Pärt.

                O rendimento dos solistas masculinos também teve pontos fortes, Óscar Ruvalcaba Pérez mostrou boas densidades em seu “Canto” y Jesus Ponce y Raúl Talamantes dançaram com convicção dois solos de “Contracuerpo” de Jorge Dominguez.       Antonio Salinas brilhou em sua “Toneladas de luz” com excelente trilha sonora que incluiu Deep Forest, Tom Waits, Kodaly Zoltán, Gavin Friday e Maurice Seezer. Salinas esta mais limpo, sem perder sua poesia de rua, mérito que comparte com sua ensaiadora Fabienne Lacheré. Por esse caminho, tecnicamente mas refinado, o universo coreográfico de Salinas certamente ganhará novos espaços.            A gala de solos deixou a refrescante impressão da diversidade, sempre bem-vinda.

                O encerramento do festival coube ao continente convidado com o espetáculo ao ar livre “Desde el corazón de Africa” que reuniu aos grupos Not Guilty, Isingqi Sembokodo. African Flag Pantsula e Amabutho, em um verdadeiro show de danças populares onde as danzas Zulú, o Hip-Hop, la Pantsula e o Gum boot dance esbanjaram energia entusiasmando a todos. Como epílogo o Ballet Provincial de San Luis Potosí, dirigido pela mestra Carmen Alvarado, apresentou no Teatro da Paz um programa misto com obras de sua fundadora a mestra Lila Lopez.

                San Luis Potosí já anuncia sua edição Bodas de prata do Festival em Outubro de 2005, vale a pena estar atento.

 

Valerio Cesio

é crítico e coreógrafo

 


Jornal Dança, Arte & Ação
Rua Carmela Dutra, nº 82 - Tijuca - Rio de Janeiro -  RJ - CEP.: 20520-080
TeleFax: 21 2568-7823 / 2565-7330

http://www.dancecom.com.br/daa    E-mail: daa@dancecom.com.br


Agenda da Danca de Salao Brasileira