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Jornal DAA - Col. da Caminada - 66

COLUNA DA CAMINADA


MAIS QUE SENSORIAL

 

Assistir ao novo espetáculo da Cia. Steven Harper é dizer um sonoro Não! a tudo que é excludente em nome de qualquer conceito subjetivo e individual. "Sensorial", mais uma parceira muito bem sucedida da companhia de Harper com a contemporaneidade da dança de Mário Nascimento, é uma demonstração cabal de que as técnicas não devem perecer porque não são substituíveis; sobretudo, quando a direção artística do grupo consegue fazer dele, não de elementos isolados, o grande destaque do espetáculo.


Artistas versáteis, com evidente cumplicidade, se empenham e criam um espetáculo de Dança de indiscutível mérito, utilizando como meio de expressão algo que é, fora de dúvida, tão complexo e vital, quanto sutil e... atemporal: o tap. O que Alice e Ana Fucs, Adriana Salomão, Bruno Barros e Steven Harper apresentam é um espetáculo atual, inesperado, que prende o espectador do início ao fim e que só pode ser executado por bailarinos/instrumentistas muito competentes. Redimensionando o sapateado na cena, eles instigam, propõem, contribuem. E a dança agradece.

Meu encanto à parte fica por conta da iluminação perfeita de Deise Calaça, mais um "bailarino" no espetáculo, e pela exuberância cênica de Bruno Barros, sobrinho de uma das mais conceituadas e queridas figuras da dança no Brasil: Flávia Barros. E, sem dúvida, pela percepção de Brasil que já está tatuada no corpo de Harper. Quem o vê no palco tem a impressão de que, mesmo com seu tipo de gringo, ele virou um brasileiro, um malandro carioca, um homem a quem o Brasil parece inspirar mais que a muitos de seus "snobs" filhos. Não saberia responder - talvez nem ele possa fazê-lo - mas pergunto-me se tal criação nasceria se ele vivesse em outra pátria, em um país mais sério, menos anárquico e menos multi-tudo: multi-raça, ritmo, dança, cor, luta, drama e humor.

E vamos combinar: está superado falar em tap como uma linguagem de dança menor. Sugiro aos que conhecem pouco sua história, como eu, que conversem, que pesquisem em sites da Internet sobre a origem e desenvolvimento dessa dança tradicional e verdadeira.

A propósito: diante de palpites de quem nada entende de dança, como Caetano Veloso, Jô Soares e Artur Xexéo, etc., mas que se acham no direito de julgar artistas do porte de Fred Astaire e Gene Kelly, desfazendo da arte do segundo, senti-me com coragem de declarar minha admiração pelo intérprete de um dos maiores momentos da história do cinema: "Cantando na chuva" e, brincando de "achismo", imaginar se ele, vivendo hoje, com os recursos extraordinários de bailarino, ator e cantor que possuía, não se sentiria atraído pela proposta da Cia. Steven Harper.

Minha preocupação fica por conta das crônicas dificuldades com as quais se debate o mundo da dança para sobreviver artisticamente; sobre a grande questão em que nos debatemos: como manter trabalhos tão sérios quanto singulares? Por isso mesmo, já me declarei perplexa e feliz ao ver uma empresa, a El Paso, não apenas patrocinando uma companhia de ballet formada por jovens artistas, a Cia. Jovem El Paso de Dança, mas associando, orgulhosamente, seu nome à companhia.

Batalhas à parte, “Sensorial” traduz, com sua vitalidade, um momento bastante criativo da dança no Rio. Só em setembro e outubro assisti à auspiciosa estréia dos excelentes jovens da El Paso em “Super Bacana – Dançando a Tropicália” e da Companhia de Ballet da Cidade de Niterói em "Carmen" de Luís Arrieta, uma realização tão inesperada, quanto feliz; também o Corpo de Baile do Municipal do Rio se apresentou em irretocável performance da Sétima Sinfonia de Beethoven, uma obra de Uwe Sholz, ousada e, em todos os sentidos, bem sucedida.

Essas múltiplas possibilidades de expressão de dança, surpreendentemente bem executadas, têm ainda o mérito de revelar talentos como Cristiane Quintan e Wanderley Gomes, do Municipal do Rio, ambos muito adequados ao estilo do ballet, e Carla Moita, do Municipal de Niterói, linda e convincente no papel título, e reafirmar a presença requintada de bailarinos como Norma Pinna, Bettina Dalcanale e Santiago Guerra; sem falar de Cláudia Motta e Vitor Luis, bailarinos que já fazem por merecer, há tempos, os títulos de primeiros-bailarinos (não pude assisti-los, mas os comentários de Aldo Lotufo, ícone que dispensa apresentações, só reafirmam uma impressão que não vem apenas de uma temporada), entre outros talentos que o Brasil possui e não cultiva; inclusive os que, mesmo no conjunto, sabem valorizar uma obra-prima como "Les Sylphides". Refiro-me a Karin Schlotterbeck e Tereza Cristina Ubirajara, ambas dançando com linda maquiagem e atmosfera de uma obra-prima do neoromantismo.

Para a ala jovem do Corpo de Baile do Rio: vocês sabem quem foi Mikhail Fokine para a história da dança e para nossa própria história? Sabem que, mais do que um grande criador, ele é símbolo de toda uma reformulação na história da dança do século XX; e que "Les Sylphides" foi o primeiro ballet montado por Maria Olenewa, em 1927, para a Escola de Danças, semente da companhia onde hoje vocês dançam? E que todas as gerações de bailarinos do Theatro dançaram essa criação eterna?

Talvez alguns presidentes da Fundação Theatro Municipal do Rio de Janeiro desconheçam esses e outros fatos históricos; cabe-nos, a nós, bailarinos, orgulhosos de nossa história, apesar das dificuldades que não negamos nem desconhecemos, esclarecê-los. É nosso o papel de dizer-lhes que tivemos o privilégio de conhecer e dançar todos os geniais coreógrafos dos “Ballets Russes de Diaghilev”, muitos, antes mesmo que o fizessem seus compatriotas; alguns, que já integram nosso acervo, ainda são desconhecidos do público russo.

 

Eliana Caminada é professora de História da Dança na UniverCidade e Universidade Castelo Branco

e foi primeira bailarina do Theatro Municipal – RJ

Página pessoal: http://www.caminada.com

 

 

 

 


Eliana Caminada é professora de História da Dança na UniverCidade e Universidade Castelo Branco

e foi primeira bailarina do Theatro Municipal – RJ

Página pessoal: http://www.geocities.com/caminadabr


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