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Jornal DAA - Col. da Caminada - 65

COLUNA DA CAMINADA


JOINVILLE 22 ANOS: UM FESTIVAL ADULTO

 

Vinte e dois anos após ter realizado sua primeira versão, o Festival de Joinville mostra que é um evento que veio para ficar e, mais do que isso, para contribuir.

Longe das meras noites competitivas, legítimo "Se vira nos trinta", pouco artísticas e muito apelativas, o Festival firmou-se em função de uma política de bom senso e de uma organização quase impecável. Pequenos senões não invalidam os inúmeros acertos que vão do Festival Meia-Ponta às Mostras de Dança Contemporânea.

A noção clara de que o público de fora do eixo Rio-São Paulo tem o mesmo direito de assistir companhias famosas em obras completas tirou o caráter diletante do Festival; tornou-o internacional.

Este ano o público foi brindado com o Ballet Estável do Teatro Colón interpretando "Coppélia" na versão de Enrique Martinez e com o Ballet de Genève.

Não foi uma grande atuação do Colón, em que pese o contratempo da falta de energia, que durou hora e meia e certamente pesou na apresentação da companhia. Acreditamos, porém, que muito mais do que isso, a situação do país, problema que conhecemos bem de perto, parece estar interferindo no produto final de uma companhia tradicional e famosa pelos bailarinos que tem produzido. Um problema que, sem dúvida, não é da responsabilidade do Festival.

Importante, para nós, do Theatro Municipal do Rio, foi a comparação inevitável. O Corpo de Baile revelou-se, indiscutivelmente, muito superior, tanto como intérprete da obra como um todo e de cada personagem em particular. Nossas Svanildas e nossos Franz são famosos desde a década de cinqüenta e Dennis Gray: bem, ele é um verdadeiro doutorado - sem trocadilho - em Coppélius. Sua criação é inimitável e gerou uma estirpe de grandes intérpretes do papel.

O Ballet de Genève, em compensação, foi de excepcional nível. No programa "Remanso", poética e inspirada composição de Nacho Duato, reportando-se a Garcia Lorca, sobretudo na delicadeza da rosa vermelha presente em cena ao longo de todo o ballet, tornando-se rubra no final, tão rubra quanto o sangue derramado do grande poeta, assassinado pela ditadura Franco; "Para-Dice" de Saburo Teshigawara e "Selo Desir" de Andonis Foniadakis completaram o espetáculo marcado pela presença de quatro bailarinos brasileiros.

Bruno Cesário, um dos destaques da companhia, prestou audição com mais de 80 bailarinos, na qual foi o único aprovado, e estará na próxima temporada integrando o elenco do Ballet Real da Suécia dirigido pelo famoso Matz Ekk.

Os cursos, procuradíssimos, demonstram o interesse da categoria por novas informações e  aperfeiçoamento; sem falar na renovação dos quadros de professores, verdadeira chance de conhecer novos e preparados profissionais de  todas as áreas ligadas à dança cênica.

Os palcos alternativos constituem-se num sucesso que repercute por toda a cidade, a ponto de já haver grupos interessados em participar apenas dessas apresentações alternativas, sempre concorridíssimas. É fácil encontrar os candidatos aquecendo-se para as apresentações no Centreventos, recebendo do público um retorno do brilho de suas performances e ouvindo as últimas orientações de mestres e ensaiadores.

A Feira de Sapatilhas e a Praça de Alimentação até diminuíram, o que só favoreceu o Festival. O ruído e o cheiro de comida, que antes atrapalhavam e acentuavam o caráter de ginásio do Centreventos agora ficam de outro lado, cumprindo seu verdadeiro papel num evento artístico: proporcionar momentos de lazer e compras de bom preço sem perturbar os espetáculos. 

Por outro lado, os debates, há três anos pouco procurados, firmaram-se definitivamente. O Teatro Juarez Machado ficou repleto para todas as mesas. 

Tive o prazer de participar da segunda mesa "O Ballet clássico é a base para todas as danças?" com João Wlamir, ambos "a favor" do clássico, contraponteando Alejandro Ahmed e Sílvia Sóter, "negando" o ballet. As aspas já evidenciam o que de fato ocorreu: nem nós, defensores da extraordinária técnica de dança clássica, achamos que ela prepara para todas as danças - o que a Índia, por exemplo, tem a ver com ballet? - e mais, sabemos que o bailarino clássico de hoje precisa de outras disciplinas que o complementem para que seus artistas estejam preparados para as exigências da contemporaneidade, nem Sóter e Ahmed negaram, ao contrário, afirmaram o valor insubstituível do ballet como técnica preparadora de bailarinos em termos de abrangência de mercado de trabalho.

O encontro foi marcado pela cordialidade, diria até mais, afetividade, respeito entre profissionais que, acima de tudo, amam dança.

Por fim, as noites competitivas revelaram um visível progresso no que tange à orientação artística das academias. A grande surpresa - e preocupação - de os jurados encontrarem os candidatos que haviam se apresentado na noite anterior se transformou em grande encontro. Desconhecidos, uns dos outros, bailarinos, e jurados viveram momentos até emocionantes. Poucos foram os candidatos que demonstraram insatisfação.  Este Conselho - Ady Addor, Alejandro Ahmed, Roseli Rodrigues e Roberto Pereira - está de parabéns. O concurso ficou mais transparente e o júri, que atua quase como um tradutor simultâneo, vendo e escrevendo ao mesmo tempo, pôde explicar melhor o que escreveram a candidatos e orientadores sedentos de orientação.

Esses acertos respondem à questão colocada na primeira mesa: "O Festival contribui para o aperfeiçoamento da dança?". Sim, até porque, com o modelo atual, congrega, funde, troca, enriquece, informa.

E mesmo nesse ponto, quanto ao ballet clássico, viva o ballet do Brasil.

Há que se pensar numa medida para estimular a participação de grupos de danças populares brasileiras. Não se justifica que o Brasil, tão rico de danças, ritmos e raças, não esteja representado de norte a sul. Palmas para o grupo de Belo Horizonte que se apresentou dançando Malambo, dança do Sul, biscoitando um segundo lugar, vencido, com absoluta justiça - eu não julgava esta categoria, que fique bem claro - pelo grupo do Paraguai.

No sentido de contribuir para a evolução do próprio evento registrei alguns detalhes que precisam ser revistos, na minha opinião:

1. O programa da estréia precisa ser elaborado por alguém da área. Não se concebe programa de um ballet completo onde não constem os nomes dos personagens, sobretudo o principal, o que inspirou a obra: dr. Coppélius. Mas não apenas ele: o público precisa saber os nomes dos "amigos" de Swanilda e Franz, da "Aurora", da "Prece", dos solistas da czardas e da mazurca, dos artistas dos conjuntos, de todos os que participaram daquele espetáculo e onde o fizeram, enfim. Facílimo de ser contornado, não justifica que se repita.

2. Já que o espetáculo não tem orquestra, a música que precede um ballet de repertório, sobretudo do século XIX, de características românticas, precisa cumprir o papel de introduzir o público na atmosfera do que vai ver. Música bate-estaca, excessivamente barulhenta, nesses casos, perturba e é até antipedagógica. Por outro lado, foi de suprema sensatez esperar terminar o jogo de futebol Brasil/Argentina, respeitar a manifestação de torcida do público, participar dela, e só então começar o espetáculo. Até porque o Centeventos é um ginásio, não um teatro italiano padrão e formal. Na verdade tudo se resume a bom-senso.

3. Flores devem ser entregues aos artistas principais assim que acontece o primeiro agradecimento, quando a platéia ainda aplaude e participa, portanto, da homenagem.

4. As flores oferecidas a uma bailarina devem ser bonitas, mas arranjadas com simplicidade, em forma de buquê mesmo. Até porque, muitas bailarinas têm o simpático costume de destacar uma flor e oferecê-la a seu partner.

5. Discursos em intervalo de ballet definitivamente não. Não é a hora, não é o lugar certo, constrange o homenageado, que se é uma autoridade traquejada sabe que o momento de tal manifestação não é aquele. E trata de apressar a homenagem antes que o público reclame.

6. Um coquetel que reunisse os professores dos cursos, as companhias convidadas, os conselheiros, o presidente e o diretor do Instituto Festival de Joinville e os jurados das diversas categorias seria simpático. Não conseguimos ver, muito menos conversar com os bailarinos do Colón.

7. As reuniões com os jurados depois da apresentação de cada categoria precisam de um pouco mais de tempo. Quando as colocações são consensuais não há problema, mas muitas vezes o bom nível dos candidatos suscita discussões que precisam ser esgotadas até se chegar a um denominador comum. A arte é sempre subjetiva, nisso reside sua magia; mas essa subjetividade gera profícuas mas, por vezes, prolongadas conversas.

8. O tempo destinado à competição de conjunto de repertório merece ser reavaliado e ampliado em um ou dois minutos. Afinal, em cinco ou seis grupos essa minutagem não excederá 12 minutos, suscitará muito menos discussão entre participantes e premiará a boa dança, algumas vezes prejudicada pelo aceleramento do tempo para caber nos 8:30 permitidos pelo Festival. De fato, poucas são as danças de conjunto que têm menos de 10 minutos. Se tal exigência for totalmente respeitada o público verá todo ano apenas os poucos trechos que correspondem ao adotado.

 

Eliana Caminada é professora de História da Dança na UniverCidade e Universidade Castelo Branco

e foi primeira bailarina do Theatro Municipal – RJ

Página pessoal:  http://www.geocities.com/caminadabr/index.html

 

 


Eliana Caminada é professora de História da Dança na UniverCidade e Universidade Castelo Branco

e foi primeira bailarina do Theatro Municipal – RJ

Página pessoal: http://www.geocities.com/caminadabr


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