Principal Edição Atual Edições Anteriores Participe Informativo Fale Conosco Rio de Janeiro - |
COLUNA DA CAMINADA
CONSTRUÇÃO Que a cidade
do Rio de Janeiro, histórica e bela, tem sido vítima de práticas políticas
vergonhosas e de uma inexplicável atitude autodestrutiva não é difícil
constatar. Entretanto, superando percalços de toda ordem prosseguimos, pelo
talento e alegria do nosso povo, a produzir arte de qualidade. Recentemente, o
“Ballet Jovem”, companhia que se apresenta com alto nível de profissionalismo e
perfeição técnica, levantou a platéia que lotava o auditório no excelente
“Porto Alegre em Dança”. Dirigidos e orientados por Dalal Achcar e Mariza
Estrella, aqueles adolescentes se revelam um inesperado cartão postal apto a
nos representar em qualquer lugar do mundo, dançando, sim senhores, ballet.
O programa do espetáculo, irrepreensível, assinado por Tíndaro Silvano, Luís
Arrieta e Sérgio Lobato propõe caminhos que, sem negar a qualidade da técnica
clássica, mostra que a criação acadêmica não morreu; só para os que apenas
conhecem, assim mesmo de ouvir falar, o repertório do século XIX. E que tem
surgido, de toda parte, excelentes bailarinos, sabe-se lá por que, revelados
aqui. Menos olímpicos que intérpretes talvez por integrarem, com sua glória e
seus problemas, o Corpo de Baile do Theatro Municipal, Cláudia Motta, Roberta
Marques, Rodrigo Negri, Vítor Martins, René Salazar, Thiago Soares, entre
outros, realizam muito mais do que vencer concursos: fazem carreira. Na ausência
de companhias com o mesmo perfil, os concursos têm sido a única saída para
mostrar os novos professores e o valor do seu trabalho. E é nesse contexto que
esta coluna abre espaço para o trabalho competente e idealista de Jorge
Texeira, consciente de que está contrariando ícones que ‘não viram e não
gostaram, ou olharam, mas não quiseram ver’. Estamos enveredando pelo equívoco
de privilegiar, tão somente, aspectos sociais e terapêuticos para justificar o
fazer artístico. Texeira tem uma visão profissional da cena que reputo muito
importante e que, talvez, faça a diferença. Arte se autojustifica; ou corremos
o risco de torná-la panfletária, problema com o qual os russos, com todo o seu
talento, se debateram ao longo de todo o século XX. Conversei com
Jorge, coordenador da Academia Petite Danse e responsável pela “Companhia
Brasileira de Ballet” sobre seu trabalho com a dança e os jovens: Eliana Caminada: Você
recebeu a griffe “Companhia Brasileira de Ballet”, utópico e belo sonho
de Regina e Paulo Ferraz. Como se deu isso? Jorge Texeira: Marilda
Azevedo e Emílio Martins, que integraram aquele elenco e que sempre estimularam
meu trabalho, conseguiram a autorização de Regina para que usássemos o nome da
companhia. Considero uma honra, nosso primeiro grande prêmio. EC: Questão de
confiança e respeito mútuo. E sua tão questionada formação? JT: Sou de
família de militares, não foi fácil. Cheguei ao ballet através do tap,
já formado em Belas-Artes pela UFF. Era a brecha necessária. Em pouco tempo
dava aulas de sapateado na academia de Hortência Mollo com quem, escondido,
estudava clássico, além de moderno e jazz com Ghislaine Cavalcanti - ambas são
formadas pela Escola de Danças - e aulas de chão com Slava Goulenko, bailarina
do Theatro Municipal. Fui o único aprovado numa audição para a "Companhia
Brasileira de Sapateado" e dancei muito com Polyana Ribeiro. Mas era
maduro e lúcido, percebi que não tinha dotes físicos para ballet clássico.
Além disso, adoro lecionar. EC: As pessoas
falam do que não sabem. E ainda não superamos essa história de “Pretensioso.
Não foi primeiro-bailarino! Como pode dar boas aulas?” Pois Cecchetti alerta em
seu livro que raramente bailarinos de destaque, muito preocupados consigo para
orientar os outros, ensinam bem. Divulgue seu currículo, até porque, ser
brasileiro no Brasil é pejorativo; cultuamos estrangeiros, mesmo sem um dossiê
à altura de nos julgarem e ocuparem nossos lugares. É verdade que não vale para
todos, pistolão funciona. Você está rico? JT: Não, mas
hoje, graças à “Petite Danse” e a meu volume de trabalho, vivo com conforto.
Entre aulas e ensaios trabalho, em média, 230 horas por mês de 2ª a sábado e se
necessário uso até domingo. Além disso, toda 5ª às 11h a Academia reúne os
professores num grupo de estudo, do qual participam fisioterapeuta, médico e
psicólogo, para avaliar os problemas físicos dos bailarinos. Nas férias
aproveito para fazer cursos e, se possível, levo a garotada. Gasto com prazer
comprando vídeos e ingressos para espetáculos. Considero-me vocacionado, amo
com intensidade e sem reservas o que faço. EC: Ótimo.
Bailarinos, em geral, só procuram conhecer o que vão dançar; fora isso ignoram
tudo, parece que o mundo começa e termina neles. Alunos leais: qual o mistério?
Você os prende? JT: Ensino e
encaminho em tempo integral, com uma atitude sacerdotal. Até nas fases
difíceis, em que os jovens ficam expostos a todo tipo de perigos, os pais me
pedem socorro. Mergulhar numa paixão como o ballet pode ajudar,
sobretudo se o aluno acredita no professor. Gostaria sim, de viabilizar minha
companhia, mas luto para que meu pessoal aceite as oportunidades que surgem;
desde que boas. Integrar pseudocompanhias só por que é no exterior, não
estimulo mesmo. Às vezes, eles é que não querem viver longe do Brasil. Não dou
aula de graça, não iludo ninguém em qualquer sentido, sequer posso pagar
salário fixo para os bailarinos. Consegui, com a academia, local para hospedar
os rapazes. É tudo até agora. Sou exigentíssimo no trabalho. Ficam comigo os
que querem, porque querem. Muitos estão encaminhados, atuam no Municipal, em
outras companhias, na televisão e continuam freqüentando o estúdio. Como
prender gente que precisa sobreviver? EC: Seus
bailarinos estão mais artísticos, parecem menos preocupados com excesso de
técnica. Estou enganada? JT: Não. Na
verdade, fui até aconselhado a mostrar “resultados”. Alguns me diziam: “Você
não é ninguém”. Não tive opção: ou nos submetíamos ao modelo festival: fouettés,
tours, etc; ou não adquiria visibilidade e crédito. EC: Quais são
seus planos para a companhia? JC: Tenho boas promessas que prefiro só comentar
quando se concretizarem. Enquanto isso, atendemos convites e nos viramos com
pequenos patrocínios. Estou endividado em função de verbas que faltaram na
última hora. Mas a academia e eu temos muito claro que precisamos estimular as
crianças ou falimos. Isso não impede que a exigência de qualidade seja afetada,
mas a preocupação com a meninada tem que ser efetiva. No momento, temos dezoito
lindas crianças para apresentar. EC: Obrigada pela entrevista, Jorge. Que Deus,
empresários, autoridades e colegas iluminem seu caminho e o de todos os que
lutam, honestamente, pelo ballet no Brasil. De preferência, unidos, adultos e sem rivalidades
menores. Que assim seja. *** RECONHECIMENTO Não há como desconhecer. Aparecida Lima é a pianista que amou
dança acima de sua carreira pessoal, que a ela, dança, dedicou mais de meio
século de existência, sempre com o mesmo entusiasmo e encantamento. O
lançamento de sua biografia de autoria do professor Paulo Melgaço, nada mais
fez do que reconhecer uma dedicação na qual devemos nos
espelhar. Aparecida, parabéns, você merece muito mais, você é parte
da história, não há como contá-la sem sua música. Não há como desconhecer. Sérgio Britto é a grande personalidade
cênica que contempla a dança sem qualquer preconceito de estilo e com
surpreendente conhecimento de sua história. É de artistas da música e do teatro como Aparecida e Sérgio
que temos recebido desinteressadas declarações públicas de amor a nosso
ofício. Dizemos amá-lo, mas, aparentemente, o usamos apenas como veículo
de auto-realização ou de auto-promoção. Glória, prestígio, fama, são ambições legítimas, desde que
permeadas de generosidade. Mencionar apenas partners de renome internacional,
por exemplo, além de antiético, revela um individualismo e uma
infantilidade que só gerou, até hoje, falta de respeito de uns pelos outros. Em nome da grandeza desses dois artistas,
Aparecida Lima e Sérgio Britto, sugiro lhes seja concedida uma medalha de honra
ao mérito pelos serviços prestados a nosso ofício: dança cênica. Eliana Caminada é professora de História da Dança na UniverCidade e Universidade Castelo Branco e foi primeira bailarina do Theatro Municipal - RJ Página pessoal: http://www.geocities.com/caminadabr
Rua Carmela Dutra, nº 82 - Tijuca - Rio de Janeiro - RJ - CEP.: 20520-080 TeleFax: 21 2568-7823 / 2565-7330 http://www.dancecom.com.br/daa E-mail: daa@dancecom.com.br |