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Jornal DAA - Linha Direta - 55

LINHA DIRETA


A coluna Linha Direta é um espaço aberto a todos. Aqui, idéias, opiniões e ponderações ganham espaço, em democrático exercício de pensar, sentir e ver a dança, a arte, a vida. Ao selecionar os textos não nos cabe tomar partido, apoiar ou discordar. Entendemos que nosso trabalho reside em propiciar a exposição, em fomentar discussão e abrir caminhos para ações, intenções, projetos e sonhos.




O professor Sylvio Dufrayer discorre sobre a necessidade de se buscar um saber mais abrangente, que não se feche em uma só área do conhecimento, ao mesmo tempo em que se domina o conhecimento específico, necessário à construção de um perfil profissional. Enfim, em sua tese, Dufrayer defende a interdisciplinaridade no ensino superior e convida a uma reflexão necessária sobre o saber na dança.


UM OLHAR INTERDISCIPLINAR NA FACULDADE DE DANÇA



No início do século XXI o ser humano está sendo envolvido pela exigência de transformações em todos os níveis, do pessoal ao profissional. A informação reafirma uma mudança constante em todos os setores da sociedade. A globalização, a competitividade, a velocidade, a pressa, a transitoriedade são presenças freqüentes na vida atual. O crescimento sem precedentes dos saberes em nossa época torna legítima a questão da adaptação das mentalidades a estes saberes. A harmonia entre as mentalidades e os saberes pressupõe que estes sejam inteligíveis, compreensíveis. Na universidade, onde o processo educacional se realiza, encontramos o local ideal para este exercício, onde todo conhecimento é igualmente importante e o conhecimento individual anula-se frente ao universal.

Buscando o que precisa ser feito para que o profissional consiga sobreviver e, se possível, ser feliz, nos deparamos com a seguinte questão: uma classe na faculdade de dança, onde encontramos interesses diversos, como um professor de dança de salão, um profissional de dança clássica com 45 anos, um aluno formado na escola de circo, uma profissional de dança do ventre, um terapeuta corporal. Como deve agir o professor diante deste desafio?

Na visão aristotélica, o saber inscrevia-se em três áreas: nas ciências práticas, nas ciências poéticas e nas ciências teóricas (Matemática, Física e Teologia). Na Idade Média, foi separado em duas vias: o quadrivium, constituído pela Matemática (a Aritmética, a Música, a Geometria e a Astronomia); e o trivium, constituído pelas disciplinas lógicas e lingüísticas (a Gramática, a Dialética e a Retórica). No início do século XVII, surge o método cartesiano de investigação, predominante até nossos dias, o qual preconiza a busca da verdade através da ciência, dando origem à primeira proliferação de disciplinas, uma vez que se baseia na decomposição do todo, na sujeição à repetição e à dedução de leis pragmáticas, para cada uma de suas partes.

Acreditamos que a vocação fragmentadora e desarticulada do processo do conhecimento deva ser quebrada, o que é justificado pela compreensão da importância da interação e transformação recíprocas entre as diferentes áreas do saber. Integrar conteúdos não é suficiente, o professor deve ter uma atitude e postura interdisciplinares. Atitude esta de busca, envolvimento, compromisso e reciprocidade diante do conhecimento e do aluno. No processo de reprodução e criação do conhecimento aprendemos quando existe um projeto de vida, e o conteúdo do ensino é importante no interior desse projeto. Aprendemos quando nos envolvemos com emoção e razão. O que é muito difícil, falamos de uma abertura que desmonta mundos, referências e gera intensidades difíceis, entretanto, é na experimentação destas intensidades que se cria uma possibilidade de trabalho que se multiplica e se descentraliza do saber poderoso e verdadeiro.

Neste momento, onde a explosão da informática aponta que outras virão, estacionar por muito tempo somente numa mesma profissão pode ser perigoso, correndo riscos: desemprego, exclusão. Num mundo em constante transformação, a especialização excessiva deve ser evitada. Se desejamos um consenso entre necessidade de competição e igualdade de oportunidades para todos, como diz Nicolescu, “toda profissão deverá ser uma verdadeira profissão a ser tecida”, uma profissão que estará ligada, no interior do ser humano, aos caminhos de outras profissões. Não é somente ter várias qualificações profissionais, mas construir um núcleo interior mais flexível, capaz de permitir o rápido acesso a uma outra profissão.

Acreditamos que este profissional deva agir de forma interdisciplinar ao construir o saber, ao buscar o novo, o risco, a descoberta, o diálogo, a troca, deixando que cada aluno assuma a sua própria prática dentro dos seus limites. Trabalhar a integração destes saberes representa a possibilidade da totalidade do ato de conhecer, que se apresenta como oposição à multiplicidade desordenada das especializações do saber e da falta de unidade das linguagens específicas.

Ivani Fazenda chama de atitude interdisciplinar, uma atitude diante de alternativas para conhecer mais e melhor, atitude de espera diante dos atos consumados, atitude de reciprocidade que impele à troca, ao diálogo com pares idênticos, com pares anônimos ou consigo mesmo, atitude de humildade diante da limitação do próprio saber, de perplexidade ante a possibilidade de desvendar novos saberes, de desafio perante o novo, desafio em redimensionar o velho, atitude de envolvimento e comprometimento com os projetos e com as pessoas neles envolvidas, atitude, pois, de compromisso em construir sempre da melhor forma possível, de responsabilidade, mas, sobretudo, de alegria, de revelação, de encontro, enfim, de vida.

Observamos que um trabalho de construção do conhecimento, em sala de aula, deva vir das respostas aos questionamentos trazidos da realidade, questionamentos estes enriquecidos através das vivências e das trocas de experiências. O aluno passa a ser visto não como sujeito idealizado, mas como sujeito histórico, inserido numa classe social determinada com suas lutas, movimentos e contradições, e, principalmente, como um sujeito que produz conhecimento, reinventa e reconstrói experiências.

O que não significa negar especialidades e objetividades de cada ciência, mas olhar o que não se mostra e tentar alcançar o que ainda não se consegue, e perceber que o conhecimento não se processa em campos fechados, porém, deve-se respeitar o território de cada campo do conhecimento, impondo-se a cada especialista que ultrapasse sua própria especialidade, tomando consciência de seus próprios limites para colher as contribuições das outras culturas, conduzindo a uma nova ordem.


Referências Bibliográficas:

FAZENDA, I.C.A. Interdisciplinaridade – história, teoria e pesquisa. Campinas: Papirus, 1994.

JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

NICOLESCU, B. Aspects gödeliens de la Nature et de la connaissance. In CONGRESSO DE LOCARNO. PROJETO CIRET-UNESCO, 1997. Que universidade para o amanhã? Em busca de uma evolução transdisciplinar da Universidade. Locarno, Suíça. Disponível na Internet: <http://person.club-internet.fr/nicol/ciret>.



O DAA se reserva o direito de editar os textos para atender à exigências de espaço e/ou melhor compreensão, mantendo contudo o sentido original.



Sylvio Dufrayer é Professor de Cinesiologia e Ballet Clássico da UniverCidade,

e ainda de Dança Contemporânea e Composição Coreográfica da Universidade Castelo Branco



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