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Jornal DAA Mundo da dança - 54

O MUNDO DA DANÇA


RAÇA NA ITÁLIA

Raça Cia de Dança de São Paulo dirigida por Roseli Rodrigues entrou esta temporada no complexo mercado da dança européia, e o fez através da Itália no marco do projeto "Oltremare-due mondi, un arte" dirigido pela primeira bailarina italiana Claudia Zaccari em equipe com Prisma Spettacoli, empresa de produção comandada por Walter Amorelli. A extensa turnê incluiu Roma, Terni, Salerno, Tagliacosa, Crotone, Enna, Calabicheta, Piazza Armería e outras cidades da Sicilia. E o repertório escolhido para esta ocasião incluiu três obras de meio programa que se armava dependendo do espaço cênico de cada apresentação.

"De minh’alma" de 1997, sobre música de Pat Metheny e Jon Faddis foi uma obra importantíssima no repertório da companhia, sinalizando uma mudança de rumo no estilo da coreógrafa. Roseli Rodrigues, oriunda da ginástica esportiva, cultivou um pessoal estilo de jazz por duas décadas. Esta linguagem é o que caracterizou as produções da companhia no seu primeiro período; com "De minh’alma", Raça adquire um novo rosto e assume ante seu fiel público de tantos anos que tem outras coisas que dizer e está aprendendo o modo de dizê-las, um novo modo, de marcada contemporaneidade e inquestionável fibra cênica.

Na sua estréia os trios foram as cenas que mais chamaram a atenção; mas numa posterior revisão Roseli eliminou um deles para substituí-lo por um dueto, incluindo na banda sonora uma versão para violão da popular "ne me quittes pas" de Jacques Brel. A mudança não favoreceu a homogeneidade sonora e coreográfica mesmo tendo o duo momentos de tratamento formal bem logrados na interpretação de Valdir Matias e Mariana Netto. O trio que restou, dançado com entrega por Juliana Portes, Paulo Magalhães e Anderson Couto, continua sendo um dos momentos de maior carga poética da obra.

"Novos ventos" de 1999 foi a confirmação do novo caminho de Raça Cia. de Dança, uma obra de grande lirismo ao som de uma suíte de peças para piano de Erik Satie onde Roseli tece com os corpos tramas coreográficas de forte exigência acadêmica, onde a precisão técnica se torna indispensável.

Sobre um piso forrado de folhas secas e debaixo de uma delicada chuva das mesmas folhas um conjunto começa a desenhar um clima sereno e por momentos, nostálgico, com traços calmos que complementam a dinâmica da chuva de folhas. O conjunto abre passo a um trio de impecável confecção resolvido com solvência por Paulo Magalhães, Valdir Matias, ambos excelentes partenaires e Juliana Portes, de ousadas soluções aéreas. Uma sequência de duos dá seguimento a obra, sobressaindo a musicalidade de Luciane Cardoso, as belas linhas de Duda Brás e as limpas terminações de Andréa Spósito, o físico mais estilizado da companhia.

O solo masculino sobre a célebre gnosiemme é um dos momentos melhor resolvidos da obra; Jhean Allex é um bailarino de primeira linha, com uma projeção incomum e rica gama de dinâmicas. A obra culmina com outra dança de conjunto que vem a reconfirmar a languidez da proposta coreográfica, que finaliza com os bailarinos rolando pelo chão, como outras folhas a mercê de novos ventos.

Estreada em 2002 "Caminho da Seda" é uma obra sobre o deserto, sobre as areias que tudo cobrem e tudo transformam, sobre dunas que trocam de lugar alterando a paisagem, sempre diversa e sempre surpreendente.

Mas este deserto de Roseli não é o deserto árido, espelho de sol. É um deserto infestado de miragens, de figuras que aparecem e desaparecem, cúmplices dos ventos e das areias movediças. E suas criaturas do deserto são criaturas sensíveis e sensuais, corpos das caravanas e corpos dos oásis.

Para construir esta paisagem, Roseli Rodrigues se serviu de quase 500 metros de tecidos que entram e saem do palco como uma multiplicidade de atalhos. Tecidos que os bailarinos manipulam, patinam sobre eles e às vezes são transportados pelo palco como se fossem esteiras; tudo organizado com um logrado timming cênico, um dinâmico transitar coreográfico próprio da companhia. E por falar em companhia, nesta obra os integrantes de Raça Cia de Dança se vêem esplêndidos. Jhean Allex volta a deleitar-nos com um pequeno solo e um duo com a eficiente Duda Brás. Natali Camolez demonstra uma vitalidade física ímpar, Anderson Couto e Juliana Portes também têm momentos de força, e em geral se vê um grupo coeso, com intencionalidade, projeção e garra. Um grupo com alto teor de compromisso com aquilo que estão dançando, um grupo vivo e que (apesar de alguns integrantes estarem um pouco acima do peso ideal) compõe um lay-out homogêneo na heterogeneidade de biotipos. Uma conquista.

Sem dúvida Raça Cia. de Dança está em um momento profissional ótimo, com um elenco interessante e uma coreógrafa de grande intuição e propensão ao descobrimento. Um projeto que desborda potência.

Valério Cesio

é crítico e coreógrafo


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