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LINHA DIRETA O linha direta é um espaço aberto a todos. Aqui, idéias, opiniões e ponderações ganham espaço, em democrático exercício de pensar, sentir e ver a dança, a arte, a vida. Ao selecionar os textos não nos cabe tomar partido, apoiar ou discordar. Entendemos que nosso trabalho reside em propiciar a exposição, em fomentar discussão e abrir caminhos para ações, intenções, projetos e sonhos. Bailarina, coreógrafa, professora e pesquisadora, Ana Carolina da Rocha Mundim é Bacharel e Licenciada em Dança pela UNICAMP. Leia abaixo resumo de sua tese que trata da importância da liberdade criativa e discute o ensino da dança na escola através de uma experiência realizada com jovens estudantes.
Dança na Escola: Uma experiência de Arte Educação no Ensino Médio Muito tem se falado sobre os benefícios do ensino de dança na Escola, sobretudo visto que sua prática possibilita o exercício de determinados elementos como ritmo, consciência corporal e espacial, respiração, entre outros, que favorecem o desenvolvimento da expressão artística através do movimento corporal e do indivíduo como cidadão sensível. A experiência aqui relatada diz respeito ao estágio supervisionado realizado em um colégio técnico profissionalizante de Campinas, como conclusão da Licenciatura em Dança da UNICAMP. O projeto foi elaborado a partir de uma "nova" óptica que difere da formação "tradicional", aqui considerada aquela que toma como base a repetição de exercícios pré-concebidos pelo professor. Assim, a figura do professor/educador se apresentou como um facilitador para o desenvolvimento da expressão corporal artística e o que se produziu durante o período de aulas passou a ser o resultado de um processo criativo também ( ou principalmente) do aluno. As aulas Ministramos aulas para duas turmas de enfermagem. A primeira, composta exclusivamente por meninas de faixa etária entre dezessete e dezoito anos, e outra, por alunos de catorze e quinze anos. O conteúdo programático consistia na aplicação de jogos e atividades envolvendo princípios do movimento corporal expressivo. Diante da dificuldade de concentração que caracterizava um dos grupos, as atividades propostas não eram produtivas. Ou seja, ao realizarem os jogos sem a atenção devida, dispersos, não havia retorno, não havia uma resposta corporal: moviam-se de qualquer maneira e a aula tornou-se uma seqüência de brincadeiras sem nenhum propósito. Dessa forma, realizamos uma atividade de relaxamento. Esta atividade não apenas foi aceita, como estimulou a participação de outras alunas. Começamos a perceber que conseguiríamos atingir alguns dos objetivos do projeto inicial se déssemos continuidade a esse trabalho. E assim foi feito. Consideramos relevante destacar o fato de que foi através do relaxamento que conseguimos cativar as alunas agitadas. Isto nos leva a refletir: a que se deve esse fato? Por que foi justamente a "ausência" de movimentos, presentes nos exercícios de relaxamento, que conquistou um público geralmente apaixonado pela agitação? Será que a aceleração do ritmo mundial chegou em seu patamar mais alto que a tendência natural é a busca pela diminuição deste ritmo frenético de vida? Ou será que o crescente aumento da violência, o avanço tecnológico, o desenvolvimento da sociedade de consumo e o bombardeio diário de novas invenções e descobertas estão transformando as pessoas em seres cada vez menos sensíveis, de tal forma que elas começam a buscar meios de resgatar a emoção? Será que a influência da mídia e das danças erotizadas, que crescem vertiginosamente, não estão encaminhando os adolescentes de hoje para uma explosão constante de energia, deixando pouco espaço para que eles voltem a si mesmos? Sabemos que o relaxamento possibilita o contato do indivíduo consigo mesmo e propicia a interiorização do ser dentro de um contexto de mundo tão exteriorizado. Seria este o motivo? Talvez a oportunidade de auto-conhecimento suscite uma nova forma de lidar com situações cotidianas e com esse mundo externo, deixando-o menos denso, menos díficil de se viver. Quando uma pessoa passa a se conhecer melhor, o que inclui a percepção de qualidades e defeitos e a possibilidade de assumi-los ou modificá-los, ela também se torna mais apta a reconhecer o outro como ser humano passível a erros e acertos. Isso pode contribuir para a construção de relações mais profundas ou menos "descartáveis". Dessa forma, o conteúdo torna-se mais importante do que a forma, ou seja, as idéias e opiniões, os princípios e valores do outro tornam-se mais cobiçados do que o culto ao corpo e à dança erotizada que se expande. O processo desta turma foi interessante. Gradativamente ela foi se "rendendo" às aulas. Pensamos que a maior dificuldade encontrada no relaxamento é a vulnerabilidade a qualquer interferência exterior e as alunas superaram esta questão a partir da percepção de resultados positivos provenientes do trabalho desenvolvido e da construção de uma relação de confiança com o elemento externo mais evidente: o professor. Na outra turma a maior dificuldade que encontramos se refere à ausência de um vocabulário corporal. A proposta era aplicar jogos que desenvolvessem habilidades corporais, ritmo, auxiliassem no estudo da coordenação motora e contribuíssem para uma melhor percepção do espaço e das capacidades respiratórias. Como as atividades eram apenas orientadas, mas a movimentação partia dos corpos das próprias alunas, e a maioria nunca havia realizado nenhuma atividade ligada à área da dança, tornava-se difícil para elas perceber o que poderiam criar. Sendo assim, acrescentamos algumas seqüências pré-estabelecidas ligadas diretamente à temática do dia. Isso auxiliou bastante nos jogos posteriores, pois, de certa forma, fez com que as alunas percebessem que poderiam utilizar várias articulações, diferentes ritmos e qualidades de movimento, o que enriqueceu o repertório corporal individual. Foi então que despertamos para a necessidade que o ser humano tem de copiar um modelo, que está presente desde a infância quando o bebê começa a repetir palavras e sons que ouve, a repetir ações que observa... Isso o estimula a se desenvolver, o faz descobrir novas possibilidades. Com o adolescente, e também com o adulto, o processo não é muito diferente. Essa turma tinha uma característica especial: havia uma preocupação com a realização das atividades. Uma dinâmica coletiva de trabalho se estabeleceu de modo que a construção do estudo coreográfico foi um empenho da turma. Inicialmente houve um ímpeto natural de manter somente as seqüências "pré-concebidas" que havíamos ensinado, mas fomos, aos poucos, mostrando-lhes a importância que havia, para o trabalho, uma composição que fosse delas. A seleção da música foi feita pela turma. Buscamos apresentar, durante todas as atividades desenvolvidas, músicas que não faziam parte do universo de "mídia", ao qual as alunas estavam habituadas, com o objetivo de mostrar alternativas em relação a um modelo estabelecido. Tendo em vista que a escolha realizada fugia desse formato rígido, percebemos a relevância que existe na atitude do professor em mostrar propostas que se diferenciam do que é usual. Isso nos fez refletir sobre alguns meios que a dança possui de introduzir novos conceitos e questionar padrões pré-fixados, contribuindo para a formação de um pensamento mais crítico. A produção cênica (maquiagem, figurino e calçados) também propiciou momentos de reflexão e discussão. Com a preocupação de reduzir ao máximo os custos, foi criada uma dinâmica de empréstimos entre as participantes, a qual ajudou para uma integração do grupo e estimulou o senso de responsabilidade para com o colega.
Algumas constatações O conteúdo que desenvolvemos pareceu ser bem recebido pela turma, como foi possível perceber nas avaliações que realizamos. É curioso, no entanto, notar que a palavra dança, para elas, inicialmente existia com uma concepção que é fruto da massificação. O que elas consideravam aula de dança era apenas o axé ou o forró. Tentamos, nesse período, ir introduzindo uma idéia mais ampla do assunto a partir das atividades que propusemos e de discussões. Através da análise dos relatórios que foram entregues após a última aula (que incluiu a apresentação do estudo coreográfico), pudemos observar que houve uma mudança na forma de pensar a dança. Nossa experiência de estágio mostrou o quanto o professor está em aprendizado constante. O conhecimento se renova a cada instante seja em sala de aula, seja através de cursos, do contato com os alunos, do contato com outros professores, das aulas que praticamos etc.. Ministrávamos nossas aulas em uma sala reservada próxima às quadras de Educação Física e no mesmo horário de algumas aulas desta disciplina. Assim, pudemos entrar em contato com os exercícios e alongamentos que os adolescentes estavam acostumados a fazer, o que nos trouxe também elementos de comparação entre as semelhanças e diferenças em relação ao trabalho que fazemos. Isso abriu espaço para questionamentos e conversas com os professores desta área, sendo essa experiência bastante enriquecedora. Pudemos perceber como as duas áreas (Dança e Educação Física) podem se complementar e de que forma as especificidades de cada uma contribuíam para o desenvolvimento físico do aluno, bem como para sua formação como ser humano. É importante perceber também que o nosso conhecimento está sendo difundido para outras pessoas. Estamos realizadas com o resultado que alcançamos, pois pudemos concluir o trabalho com a certeza de que instauramos modificações que favorecerão a formação dos alunos. Um exemplo disso é que o trabalho desenvolvido na Escola não era obrigatório para nenhuma turma. No entanto, a medida em que as aulas foram se construindo, os alunos que participavam perceberam a necessidade do compromisso e da responsabilidade (disciplina, pontualidade, freqüência) como elementos fundamentais para o aprendizado corporal. Algumas alunas vieram nos comunicar que as aulas ajudavam a relaxá-las do estresse que a rotina dos cursos profissionalizantes impunha. A turma que participava do relaxamento nos disse que a atividade contribuía para combater o esforço realizado no estágio prático de enfermagem e ainda havia algumas que atribuíram ao relaxamento o fato de terem conseguido boas notas em provas realizadas após as aulas que ministrávamos. Pudemos também observar como a dança estava contribuindo para as alunas, que eram futuras enfermeiras: funcionava como meio de sensibilização para estar percebendo mais claramente o outro, bem como uma oportunidade de cuidar de si mesmas, já que passavam o dia canalizando a atenção ao corpo alheio (do enfermo). O estágio nos ofereceu a oportunidade de ensinar a dança de uma forma que não estávamos habituados. Transmitíamos nossos conhecimentos através de códigos de dança muito específicos, o que trazia um retorno de técnica muito bom, mas não estimulava a criatividade dos alunos. Com o projeto que desenvolvemos nessas turmas, pudemos contribuir para o florescimento do aspecto lúdico e para uma maior conscientização corporal. Nesse caso, a técnica (que consideramos aqui como um conjunto de normas específicas rigidamente formatadas) não é o elemento privilegiado. O movimento é produzido a partir de um corpo que expressa sentimentos e vida. Nesse momento pensamos: será que a técnica é necessária para as pessoas que querem se servir da dança com fins não profissionais? E concluímos que não. Ela, na realidade, é mais uma opção e não a única. A sua utilização também pode ser explorada, sem que haja uma dependência, ou seja, pode-se utilizá-la sem se prender a sua rigidez. A outra opção é não utilizá-la e buscar um corpo expressivo através de atividades lúdicas. No entanto, se a escolha fôr a não utilização, deve-se tomar cuidado para não se "fazer de qualquer jeito". A ausência de um padrão não significa descontrolar-se, fazer qualquer coisa, realizando movimentos sem um eixo, sem um propósito. Pensamos que foi possível passar aos alunos, através da prática, alguns dos conceitos básicos que são atribuídos à dança, como a responsabilidade com seu próprio corpo, a relação com o outro, a disciplina, a concentração. E esses fundamentos foram sendo apreendidos por necessidades surgidas durante as atividades, e não por imposição. Propostas democráticas de criação cênica (onde todos opinam) exigem muito mais do professor do que a imposição de um modelo pré-estabelecido. Coordenar todas as opiniões, orientar através de sugestões do que poderia ser melhor do nosso ponto de vista e manter disciplina e respeito, são bem mais difíceis de lidar. O professor, dessa maneira, tem mais trabalho, mas o resultado final bem como o processo são extremamente produtivos e prazerosos para ambas as partes. A formação de um público que assista dança também era uma preocupação como educadora. A medida em que os alunos iam se envolvendo com as aulas íamos divulgando apresentações de dança que ocorreriam na cidade de Campinas. Dessa maneira estimulamos o interesse dos alunos em relação ao assunto, o que confirmamos a partir do momento em que eles próprios começaram a procurar notícias sobre dança e trazê-las para a sala de aula. Com a apresentação de um estudo coreográfico de uma das turmas, como conclusão do curso, instigamos também a curiosidade de alunos que não faziam nosso trabalho. "Valeu por acreditar no nosso potencial!"; "Ajudou-me a perder a vergonha."; "Achei muito legal a maneira como você fez com que nossa coreografia surgisse"; "A dança para mim é todo tipo de movimento que usa o corpo, satisfaz a mente e utiliza um ritmo para ser realizado. É tudo aquilo onde a gente coloca os sentimentos...". As frases destacadas acima, retiradas de relatórios das alunas, nos fazem ter a certeza de que é possível trabalhar Dança com adolescentes na Escola Formal. Para isso, basta que o professor tenha sensibilidade para escutar as necessidades da turma e assim encontrar o caminho que torne o trabalho mais adequado para cada caso específico.
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Ana Carolina mundim@iar.unicamp.br
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