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Jornal DAA - Col. da Caminada - 54

COLUNA DA CAMINADA


BATE PAPO

Eles fazem parte de uma nova geração de ouro do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Karina Dias e Rodrigo Negri vêm se destacando por suas performances entusiasmadas, excelente nível técnico e sólidas interpretações.

Nesse número revelamos um pouco da experiência e das esperanças desses jovens, legítimos herdeiros de um passado bonito, mas sacrificado e de muita abnegação, freqüentemente desconsiderado e esquecido pela própria categoria.

Eliana Caminada: Karina e Rodrigo, ao longo dos seus processos de formação, algum orientador os marcou especialmente? Karina Dias: Comecei meus estudos, aos quatro anos de idade, no Studio L com Lucia Maria Filgueiras. Foi ali onde recebi minhas primeiras orientações de ballet; aos nove fui para a Escola Estadual de Dança Maria Olenewa formando-me aos dezesseis. Seria ingrata em falar de um professor especificamente; todos tiveram seu grau de importância, procurei tirar proveito de todos, todos me fizeram crescer tecnicamente e cada vez ter mais convicção dos meus ideais.

Rodrigo Negri: Iniciei meus estudos aos 10 anos de idade com a professora Márcia Marques. Posteriormente obtive um aprimoramento com a professora Hortência Mollo. Sem dúvida estas duas orientadoras foram fundamentais para o meu desenvolvimento técnico e artístico.

EC: Vocês pretendem desenvolver toda a carreira no Brasil?

KD: Nunca tive intenção de sair do país, mas, gostaria sim de ter uma chance de me aprimorar com experiências internacionais, e voltar para somar essas novas experiências aos conhecimentos daqui.

RN: Antes do concurso, pretendia fazer minha carreira fora, mas agora com a estabilidade, gostaria de ampliar meus conhecimentos e desenvolvê-los aqui no Brasil.

EC: Quais são as expectativas de vocês em relação à Fundação Theatro Municipal do Rio?

KD: Pode parecer demagogia, mas não paro para pensar; porém acredite: se a oportunidade aparecer, tentarei fazer o melhor que posso. Acho que fazer parte da companhia já é um privilégio.

RN: Construir uma carreira sólida e crescer a cada dia, respeitando a todos e aproveitando as oportunidades concedidas.

EC: Vocês pegaram as direções de Jean-Yves Lormeau, polêmica, sem dúvida, mas eficiente, e a excelente administração de Dalal Achcar. Tracem um paralelo entre essas duas oportunidades.

KD: Dentro de sua proposta como diretor artístico, Jean-Yves foi, na minha opinião, muito bem sucedido. A companhia cresceu em disciplina e técnica. A direção de Dalal também veio acrescentar, aos nossos currículos, oportunidade de aprender mais, com remontadores internacionais famosos, com a montagem de ballets até então, nunca dançados pela companhia. Ambos têm seu valor e, com isso, só saímos lucrando, aperfeiçoando-nos cada vez mais.

RN: Entrei na direção do Jean-Yves. Com ele aprendi a ser um profissional eficiente e disciplinado. Dalal me encontrou mais experiente, e me proporcionou a chance de desenvolver, em diversas montagens, o meu lado artístico.

EC: Rodrigo, você foi unanimidade em Romeu e Julieta de Vladimir Vassiliev. Fale sobre este mito da história da dança e sobre este pedaço da sua trajetória artística. E para você, como foi Karina?

RN: Com certeza Benvólio em Romeu e Julieta foi meu maior desafio artístico e técnico, até então. O Vladimir Vassiliev passando toda a sua experiência de grande artista - bailarino que foi (estrela que sempre admirei), me ajudou a compor esse personagem que amei fazer.

KD: Sem dúvida foi uma excelente experiência, não é sempre que temos grandes oportunidades como esta.

EC: Karina, você estimularia uma filha a seguir a profissão de bailarina? Rodrigo, você sofreu algum preconceito ao resolver seguir a profissão de bailarino clássico?

KD: Estimular não, por saber o quão é difícil conviver com os bastidores da ilusão. Mas não a impediria se fosse este o caminho escolhido, porque tudo que é feito por amor é muito prazeroso.

RN: Nunca percebi qualquer tipo de preconceito explícito, sempre tive o apoio de toda a minha família e de todos que me conhecem. O amor à profissão vence esses pensamentos pequenos.

EC: Conhecem a inacreditável e indigna situação financeira em que se encontram os bailarinos pioneiros do Theatro Municipal? O que pensam sobre isso vocês, que já estão entrando com um salário decente?

KD: Infelizmente não tenho conhecimento deste assunto, a única coisa que posso dizer neste momento é que, se isto acontece, lamento profundamente.

RN: É muito triste que os bailarinos que dão a vida pela arte só passem a ser reconhecidos agora. É inacreditável que artistas que fizeram a história desse Theatro sofram com essa situação.

EC: Vocês acreditam no futuro do ballet clássico? O que acham que está faltando para complementar a formação do bailarino brasileiro?

KD: Sim. Nasci para a dança, e é dela que preciso para minha realização pessoal e profissional. A única coisa que acho que falta, é a consolidação e o reconhecimento do nosso trabalho.

RN: Acredito. Pois existem grandes mestres de ballet e muitas revelações espalhadas pelo Brasil. Porém, a falta de apoio cultural por parte das entidades governamentais e empresariais no que diz respeito à dança, desestimula os profissionais a dar seqüência a sua formação.

Conclusão: Meninos, vocês têm a admiração de bailarinos de todas as épocas, até dos que não foram beneficiados pelo recente plano de salários, dos que continuam sobrevivendo, às vezes, com dificuldade. Acreditem: hoje não é mais difícil do que ontem, nem de longe; os bandeirantes do Corpo de Baile, na sua maioria, deixaram para vocês um legado de amor e vocação que, vergonhosamente, nem sempre é considerado - até por seus próprios pares. O pas-de-quatre de O Lago dos Cisnes que se dançava em 1945 é o mesmo que se dança hoje; o esforço para executá-lo é o mesmo. Não fossem os antigos bailarinos e o Corpo de Baile, assim como nossa Escola Oficial, talvez não mais existissem. Temos fé de que será com a contribuição de profissionais como vocês, Karina e Rodrigo, entre outros, que esta situação não se repetirá mais, de que o valor maior de um bailarino dessa companhia - de ballet, antes de tudo - será sua competência para dançar. Porque vocês são a afirmação da qualidade do nosso ensino e do nosso talento; estão no Theatro Municipal do Rio como poderiam estar em qualquer companhia internacional, são herdeiros legítimos de uma tradição de dança acadêmica que esta cidade brasileira possui: a sua própria história.

Cinderela - crítica

Com uma bem humorada tradução da conhecida partitura de Prokoffiev - partitura irônica, crítica, chique e, poucas vezes poética - Roberto de Oliveira apresentou mais uma temporada da DeAnima, companhia oficial da cidade do Rio de Janeiro. O coreógrafo captou o sentido da música, inclusive seu caráter, eventualmente sentimental para criar o inspirado pas-de-deux que conclui o ballet. Cenografia, figurinos e concepção nos pareceram bem integrados num espetáculo de nível profissional. Nina Botkai é mais uma afirmação da dança no país do futebol: jovem, exuberante de técnica, ela convence, mesmo com dezesseis anos. Lara Kakowiz foi uma presença marcante e Fabiana Nunes, Humberto Manrique, Fran Mello valorizaram seus personagens. Fernando Bersot, ainda que bonito, mostra pouca desenvoltura no papel principal; precisa progredir muito. Nota-se no conjunto, mais uma vez excelente, a vontade de mostrar o melhor e apostar no perfil da companhia.

Impressiona: o tempo disponível para apresentar dois programas em quatro meses e o aproveitamento dos elementos.

Espera-se: que ao contrário do que geralmente acontece com muitas companhias, algumas até oficiais, a iniciativa sobreviva ao tempo, constituindo-se em mercado de trabalho para o excelente bailarino brasileiro.

PS.: O som de Jamil Chevitarese e a iluminação de Milton Giglio são dez.


Cinderela foi a segunda produção da De Anima, a companhia oficial da cidade do Rio de Janeiro.




Eliana Caminada é professora de História da Dança na UniverCidade e Universidade Castelo Branco

e foi primeira bailarina do Theatro Municipal – RJ

Página pessoal: http://www.geocities.com/caminadabr


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